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Nos últimos anos, o Estado brasileiro passou a casar pessoas do mesmo sexo. Faz todo o sentido. O casamento, nos dias de hoje, é uma união romântica e sexual, idealmente de longo prazo, entre duas pessoas. Gays são tão capazes desse tipo de relação quanto heterossexuais.

Mas e se, em vez de casar a todos, o Estado não casasse ninguém? É o que defendo: que o Estado não tenha mais nada a ver com nossa vida sentimental e sexual. As pessoas se unem, vivem juntas e se separam com ou sem aval da autoridade política. Ao se meter nesse negócio de validar nossas orientações sentimentais e sexuais, o Estado se vê embrenhado em discussões espinhosas que não são de sua alçada. Há relações mais dignas de amparo legal? Até que ponto nossas tradições e costumes estão corretos? E uma série de outras questões. Tudo isso é desnecessário.

Se o Estado não realizar mais casamentos, não haverá mais discussão sobre quais relações podem e quais não podem. As pessoas continuarão vivendo como vivem, de acordo com seus juízos, sem depender de um papel assinado do Estado brasileiro para validar suas escolhas. A cultura e a vida social podem evoluir sem esperar a opinião de legisladores ou juízes. Esses, por sua vez, não precisarão mais perder tempo deliberando sobre essas questões e deixarão de cometer qualquer injustiça decorrente de preconceitos, seja para o lado que for.

No lugar do casamento, o governo deve se limitar a reconhecer a união civil. A união civil é um contrato para fins patrimoniais: determinação de herança e outras pendências. É como uma parceria para a vida, só que não envolve uma empresa. Não carrega consigo nenhuma expectativa romântica, emocional ou sexual (embora também não as rejeite). Dois amigos que não se amam e nem têm relações sexuais podem entrar numa união civil; dois irmãos também. Se a lei for bem feita, a união civil poderá englobar mais de duas pessoas. Questões práticas menores serão decididas de forma descentralizada, por cada instituição, com total liberdade: não é preciso o carimbo estatal para que, por exemplo, hospitais permitam a visita do cônjuge de mesmo sexo ao paciente internado.

O fim do casamento estatal significará o fim do casamento? De jeito nenhum. As pessoas continuarão completamente livres para se casar em igrejas (e cada igreja seguirá livre para decidir suas regras), em instituições civis ou mesmo para trocar votos sem o amparo de qualquer instituição. O casamento segue exatamente igual – só que o Estado não terá mais nada a ver com ele, ou seja, com a sua escolha de parceiro amoroso para partilhar a vida, constituir família etc.

O maior obstáculo está na cabeça das pessoas: deixar de esperar do Estado a chancela moral para nossas relações pessoais; abrir mão da tentação de coibir as relações alheias. Teremos de aceitar que nossas crenças pessoais não receberão aprovação oficial do Estado brasileiro. Esse é o custo, puramente psicológico. Em contrapartida, a variedade da vida humana e as diferentes concepções de como as coisas devem ser ganham espaço para conviver e existir em pé de igualdade. Daremos fim ao improdutivo cabo de guerra entre conservadores e progressistas, podendo usar esse tempo e esse capital político para assuntos mais prementes.

Joel Pinheiro é mestre em Filosofia pela USP e escreve para o site spotniks.com.

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