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 | Henry Milleo/Gazeta do Povo
| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

No país temos muitos problemas: violência, corrupção, incompetência, impunidade, tráfico de drogas e armas; a lista é longa e parece aumentar sempre. E no horizonte surge uma solução mágica, que não é tocar um tango argentino, mas no entanto é parecida: “intervenção militar”.

Como todas as mágicas, trata-se de um embuste e de um equívoco. Os que sabem do que se trata e ainda assim defendem a panaceia pretendem enganar o distinto público com sabe-se lá que propósitos; os que não têm a menor ideia do que seja uma ditadura e a pedem mesmo assim possivelmente são jovens demais, ou adultos totalmente carentes de conhecimento da história brasileira e de outros países que passaram por esta tragédia.

As Forças Armadas têm sua missão e seus deveres; nem aquela nem estes incluem governar ou salvar o país de si mesmo. Comandar uma tropa, uma divisão ou exército é processo que se realiza dentro de uma hierarquia bem definida com disciplina rígida, fatores necessários para fins militares. Um campo de batalha não é o lugar mais adequado para debates.

Soluções radicais podem ser tentadoras à vista dos descalabros a que assistimos, mas são apenas radicais e não soluções

Dirigir um país, um estado ou uma cidade é bem diferente. Os cidadãos, as instituições, as empresas, as famílias, os grupos mais diversos, todos têm suas necessidades, ambições e opiniões, e todos devem ser ouvidos, diretamente ou através de seus canais de representação. Governar é – ou deveria ser – conciliar as demandas da sociedade dentro de princípios legais, morais e orçamentários e realizar o máximo possível do bem comum seguindo diretrizes políticas e ideológicas. Em uma nação de mais de 200 milhões de habitantes, isso é extremamente complicado.

É inegável o direito que militares reformados têm de apresentar suas candidaturas aos cargos que desejarem, dentro das regras eleitorais; se eleitos, acredita-se que a maioria deles honrará seus mandatos com dignidade e patriotismo. É impensável que, após o sacrifício de gerações para chegarmos a uma democracia “não relativa”, ainda existam grupos que proponham a solução do atalho castrense.

A proposta da intervenção supõe a instalação de um “governo forte”, em que aparentemente tudo se resolveria com algumas ordens peremptórias. Os corruptos seriam presos e nenhum ministro do STF os libertaria através de habeas corpus afrontosos à Justiça e à opinião pública; pensando bem, não existiria mais habeas corpus, talvez nem STF. Todo obstáculo às intenções dos salvadores seria removido de imediato, a “mídia” se submeteria voluntariamente a um “controle social”. A paz dos cemitérios cairia sobre a nação.

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Não temos um governo forte, talvez atualmente nem sequer tenhamos o que se possa chamar de governo. Mas ainda temos um Estado constituído dentro de princípios republicanos, com três poderes definidos. Se o Executivo é uma lástima, o Legislativo nos cobre de vergonha e o Judiciário é uma esfinge em câmara lenta, ainda assim existem e são fundamentais. Soluções radicais podem ser tentadoras à vista dos descalabros a que assistimos, mas são apenas radicais e não soluções. Prisões sem processo legal, linchamentos, violência legalizada: todo encurtamento de caminho para obter justiça nada mais é do que vingança e barbárie, e determinado pelo pior que há no ser humano, ódio e medo. E resta a questão mais importante: quem escolherá inocentes e culpados se não pudemos contar com um sistema judiciário, com uma Constituição e com, vá lá, deputados e senadores?

Se nossos políticos são péssimos, não esqueçamos quem lhes deu mandato: nós mesmos. Se nossa educação é lamentável, demos um crédito de confiança a essas pessoas para que procedessem de forma a nos manter na ignorância e escuridão. O sistema educacional brasileiro tem, entre suas metas, auxiliar família e organizações sociais a promover cidadania e melhorar nossa convivência, não apenas no mundo do trabalho, mas em todas as esferas comunitárias. Compreensão política – no seu sentido mais amplo - é essencial.

Wanda Camargo é educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.
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