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Entre os quatro projetos de lei que o governo enviou ao Congresso Nacional, sobre o marco regulatório para extração de petróleo da camada pré-sal, há um que cria uma empresa estatal encarregada de fazer a gestão da receita que caberá ao governo. Pela proposta, a participação da União nos resultados da exploração seria paga em produto e não em dinheiro. É o regime de partilha. Caso o Congresso Nacional não modifique a proposta, entrará na órbita brasileira mais uma empresa estatal, a Petro-Sal, que será exclusivamente governamental, sem sócios privados e sem ações na bolsa.

O projeto prevê que a Petro-Sal seja encarregada de gerir os contratos de exploração na camada pré-sal e comercializar os estoques de petróleo que vier a receber como parte da União na produção. Diz o governo que será uma empresa enxuta, com apenas 130 empregados, cujo funcionamento será espelhado no modelo da Noruega, onde a empresa estatal tem 60 empregados e vem se mostrando bastante eficiente no cumprimento da sua missão. O modelo norueguês tem se revelado bastante exitoso e vale a pena ser observado. Mas, daí a acreditar que, por aqui, a coisa vai funcionar da mesma forma é um pouco de ingenuidade. Para início de conversa, é o caso de perguntar se alguém acredita que a Petro-Sal terá apenas 130 empregados?

Os hábitos dos políticos e a cultura do governo no Brasil indicam que deve se repetir o velho esquema conhecido de todos, e há grande chance de termos mais uma empresa estatal inchada, lotada de afilhados dos políticos e sempre sob risco de corrupção. Nem com muita boa vontade dá para acreditar que desta vez será diferente e não será novidade se, em vez de uma Petro-Sal de padrão norueguês, tivermos mesmo uma Petros­­sauro. Claro que há estatais bastante boas, mas muitas dessas empresas foram apropriadas pelos burocratas, que as tripulam, e pelos políticos, que as manipulam, como é o caso do do­­mínio da família Sarney sobre as empresas de energia.

Não é proibido ter esperanças nem se trata de ser pessimista. O problema é que não se muda uma má cultura em pouco tempo, e a política brasileira está muito longe de ser qualquer coisa parecida com a cultura política da Noruega. De qualquer forma, o sistema de partilha tem uma vantagem e um problema. A vantagem é que, ao receber sua participação em barris de petróleo, o governo passa a ter o poder de direcionar parte do produto das reservas nacionais, o que dá uma margem de manobra estratégica no destino do petróleo. Já o problema, que não é pequeno, está em entregar a um grupo de burocratas e políticos uma imensidão de barris de petróleo para que eles decidam a quem vender, como vender, a que preço vender e como administrar toda a operação.

Toda a conceituação, a idealização e os estudos sobre o modelo para a exploração das reservas na camada pré-sal foram realizados pelo governo, por funcionários públicos e por políticos transitoriamente no poder. A sociedade brasileira somente tomou conhecimento das conclusões nas últimas semanas, quando o governo, de forma apressada, enviou a papelada ao Congresso Nacional, pedindo votação em regime de urgência, o que é desaconselhável dada a magnitude e o tamanho do objeto em discussão. Vendo a bobagem que cometeu, o governo voltou atrás, retirou o pedido de urgência e permitirá um pouco de debate sobre a matéria.

O fato é que foi um tratamento pequeno para um projeto grande e complexo, o que é, do ponto de vista econômico e estratégico, uma irresponsabilidade. Na verdade, o governo colocou preocupações eleitoreiras imediatas acima dos interesses nacionais, por mais que o presidente Lula tente negar que isso nada tenha a ver com eleições. O petróleo pode ser uma bênção ou uma maldição. Tudo dependerá da capacidade do povo brasileiro na gerência do que a natureza nos deu. Não faltam exemplos de países ricos em produção de derivados de petróleo que não conseguiram desenvolver suas economias nem melhorar o padrão de vida do seu povo.

José Pio Martins, economista e vice-reitor da Universidade Positivo

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