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 | Geraldo Falcão/Agência Petrobras
| Foto: Geraldo Falcão/Agência Petrobras

“Ao vencedor, as batatas!” (Machado de Assis)

Em 1953, o Marechal Tito foi eleito presidente da Iugoslávia e Eisenhower, dos EUA; Nikita Khrushchev foi nomeado secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética e Elizabeth II foi coroada rainha do Reino Unido. Nas ciências, Watson e Crick propuseram a teoria da dupla hélice do DNA e, no Brasil, a CPI que investigava os malfeitos do filho de Getúlio Vargas acabou em pizza. Sendo a história contada pelos vencedores, cabe aos correligionários abafar qualquer memória que os ligue aos perdedores. Como Vargas apoiara abertamente o nazifascismo, havia de criar algo que pudesse acabar de vez com o argumento predileto de qualquer de seus opositores. Nada mais retumbante que criar uma estatal do petróleo. No dia 3 de outubro de 1953, Getúlio Vargas sancionou a lei que criava a Petrobras.

Com isso em mente, as quatro perguntas importantes, seja para defensores de privatizações ou de estatizações, são: 1. Quanto pesa o viés político-filosófico vigente na eficiência da empresa? 2. Qual o papel da privatização no financiamento da dívida pública? 3. Quais são as implicações estratégicas, em que se considere o tipo de indústria a ser privatizada, no longo prazo? e 4. Pode uma estatal ser tão bem sucedida quanto uma empresa privada?

Ainda que nos detenhamos unicamente na indústria de petróleo e gás, é evidente que estas perguntas não podem ser respondidas de forma genérica, uma vez que a realidade de uma Statoil, a estatal de petróleo da Noruega, é diametralmente oposta àquela da PDVSA, a estatal de petróleo da Venezuela. No entanto, acreditamos poder demonstrar que a avaliação imparcial de contextos que envolvem princípios socioculturais, políticos e econômicos redunda no surgimento de cenários suficientemente realistas para a tomada de decisões.

No que tange a empresas lucrativas ou monopólios, o governo sempre manterá algum nível de controle, por meio de regulações

Primeiramente, há de se dissertar um pouco sobre os três tipos de processos de privatização: a privatização de empresas competitivas, quando o Estado transfere ao setor privado empresas competitivas, cuja demanda pelos seus produtos dificilmente cairia ameaçadoramente; a privatização de monopólios, que transfere para o setor privado empresas com enorme poder no mercado; e a privatização de serviços, quando os serviços anteriormente financiados pelo Estado e realizados por organismos governamentais passam para o setor privado.

No que tange a empresas lucrativas ou monopólios, o governo sempre manterá algum nível de controle, por meio de regulações. E, ainda sobre monopólios, há de se explicar o monopólio natural, como aquele relacionado à rede de distribuição de eletricidade, gás natural ou telefonia, cujos maciços e necessários investimentos em “greenfields” só se dão se houver a garantia de retorno. Exceção feita ao mercado norte-americano, onde tais mercados “nasceram” abertos, os termos de concessão dos serviços relacionados aos monopólios naturais têm um prazo, que normalmente gira em torno de 20 anos, quando os mercados, então maduros, são abertos à livre concorrência.

Com o ocorrido entre os anos 1986 e 1990, a França nos dá um bom exemplo de privatizações de bancos e seguradoras; no mesmo período, o Reino Unido privatizou seus monopólios naturais e, nos EUA, os serviços de recolhimento de lixo, operação de cadeias e hospitais foram privatizados. De posse dessas informações, passemos às respostas às quatro questões anteriormente propostas, com foco na indústria brasileira de petróleo e gás natural.

Quanto pesa o viés político-filosófico vigente na eficiência da empresa? Às vesperas da posse do novo presidente, só o que posso é afirmar minha posição pessoal como totalmente apartidária, e coerentemente reitero minha intenção única de colocar o pouco que conheço a serviço de meu país.

Opinião da Gazeta: O que esperar da Petrobras (editorial de 1.º de junho de 2018)

Leia também: O acordo da Petrobras e seus reflexos no Brasil (artigo de André de Almeida Rodrigues, publicado em 7 de janeiro de 2018)

Desde sua criação, a Petrobras sempre foi uma eficaz ferramenta política, mas, durante a maior parte de sua existência, ela foi inchada com cargos fictícios, como assessores especiais para assuntos x, y ou z, nos quais eram encaixados os afilhados políticos e quetais. Consequência? O famoso “custo Petrobras”, cujas planilhas Joel Rennó escondia na famosa “caixa-preta” escancarada por David Zylbersztajn, em fins dos anos 1990, e que nos permitiu saber que o tal “custo Petrobras” era simplesmente o valor de mercado – de qualquer coisa – multiplicado por três. De sua criação até a ascensão do PT ao poder, este era o mal maior da Petrobras, que, por outro lado, investia pesado na formação de seus profissionais, o que a levou – inúmeras vezes – a ser reconhecida internacionalmente por seu altíssimo desempenho técnico. Triste a situação em que devo reconhecer tal malfeito medonho como um mal menor, mas, infelizmente, assim o é.

A eleição de Lula, com seu total despreparo, complexo de messias e acachapante irresponsabilidade, transformou o setor de energia brasileiro – para ficar na minha área de expertise – em um prostíbulo. Tivemos jormalistas, sociólogos, economistas, administradores de empresas e um bom número de “não titulados” como ministros de Minas e Energia, presidentes e diretores da Petrobras, Eletrobras, TBG e outras empresas da área, onde o conhecimento das atividades intestinas do setor energético é fundamental ao desempenho das mesmas. Como dito por mim a um jornalista do Estadão em 2008 (o que me levou ao Ártico profissional), a infraestrutura do Brasil está falida.

Trabalhando em um projeto no Maranhão, no ano passado, tive a oportunidade de observar composições ferroviárias com quilômetros de extensão movimentando-se lenta e inexoravelmente do interior para os portos, violando as entranhas deste Brasil, arrancando-lhe o ferro como faziam os portugueses com nosso ouro; toda aquela riqueza sangrando a preço de banana, para ser beneficiada e garantir valor agregado à China! Da mesma forma, o Brasil tem indústria, mas jamais teve mercado de petróleo. Pouquíssimas pessoas no Brasil entendem – economicamente – o petróleo. Poucos sabem o que é contango ou backwardation; quantos e quais são os tipos de petróleo negociados nas bolsas; quantos barris de Brent estão disponíveis diariamente no porto de Roterdã ou de WTI, em Cushing; menos ainda sabem o que é petróleo-referência e quais são eles. O petróleo brasileiro é vendido por um péssimo vendedor, que não conhece as potencialidades de seu produto; que não sabe que deveria investir pesado em refinarias, por serem estas o coração de um mercado de petróleo forte e saudável. Respondendo finalmente à primeira pergunta, o viés político-filosófico vigente mantém estertorando a indústria brasileira de petróleo.

O petróleo brasileiro é vendido por um péssimo vendedor, que não conhece as potencialidades de seu produto

Qual o papel da privatização no financiamento da dívida pública? Em uma avaliação direta e superficial, a privatização permite aos governos uma capitalização imediata. Entretanto, estamos falando da indústria de petróleo.

O mundo tem reservas comprovadas de petróleo da ordem de 1,15 bilhões de barris, e 77% destes recursos naturais estão sob controle de companhias nacionais de petróleo, sem participação de empresas estrangeiras. As companhias internacionais (ocidentais) de petróleo controlam hoje cerca de 10% das reservas de base de petróleo e gás natural. Outrossim, a produção mundial também está nas mãos das estatais de petróleo: das 20 maiores, 14 são companhias estatais. Detalhe importantíssimo: considerados operação e calibre, as companhias privadas têm um retorno de capital substancialmente superior.

Quais são as implicações estratégicas, em que se considere o tipo de indústria a ser privatizada, no longo prazo? Esta talvez seja a mais nevrálgica das perguntas aqui feitas. Como colocado anteriormente, 77% das reservas mundiais de petróleo estão nas mãos de estatais e isso ocorre por uma série de razões, começando com a matriz energética mundial e terminando na commodity mais longeva – e, portanto, mais confiável – dos mercados. Como se já não bastasse, a relação íntima entre estas estatais do petróleo e seus governos acabam por criar gravidade em torno de interesses geopolíticos e até mesmo alvos estratégicos que vão muito além da relação comercial com outros governos e suas estatais de petróleo.

Evidentemente, segurança nacional, preço e futuro econômico exigem uma mudança no comportamento das estatais de petróleo. O que se tem notado é que este processo evolutivo é meio que darwiniano: enquanto a PDVSA afunda, a Statoil floresce. Entre tais extremos, onde poderia estar a Petrobras? Respondamos a esta questão dentro da quarta e última pergunta.

Leia também: A política de preços da Petrobras (editorial de 29 de julho de 2018)

Leia também: Petrobras: autossuficiência ou mercado? (artigo de Patrizia Tomasi, publicado em 13 de novembro de 2018)

Pode uma estatal ser tão bem sucedida quanto uma empresa privada? Simplesmente, sim. Voltemos à Statoil, a companhia nacional de petróleo que é tanto o mais importante pilar da economia norueguesa como também uma ferramenta de poder na política internacional.

Um dos pontos fundamentais do sucesso da Statoil é sua capacidade técnica. O petróleo do Mar do Norte é extremamente difícil de ser explorado, o que exigiu da Statoil investir fortemente na qualidade de seu corpo técnico. Ponto para nós. As águas profundas onde se encontra o petróleo brasileiro também exigem altíssimo nível profissional em sua exploração e, felizmente, a Petrobras ainda conta com um time técnico de grande qualidade que, obviamente, deve continuamente ser renovado.

Uma outra razão do sucesso da Statoil foi a ampla e aberta competição, tanto de empresas de petróleo privadas norueguesas quanto internacionais. Não há, dentro da política reguladora do mercado de petróleo na Noruega, qualquer tipo de tratamento privilegiado à Statoil. Por outro lado, não há qualquer tipo de ingerência do Estado na operação diária da companhia: o regime adotado incondicionalmente na Statoil é a meritocracia.

A interação construtiva entre a Statoil e o governo é ainda mais admirável, na Noruega, por conta da sempre presente preocupação com a“doença holandesa”. Nos anos 1960, a Holanda surpreendeu-se com uma supervalorização de sua moeda, devido ao aumento dos preços internacionais do gás natural. A valorização cambial comprometeu a exportação dos demais produtos do país, o que acabou levando ao declínio da indústria e consequente crise econômica de severas consequências.

Leia também: A Petrobras volta a dar bons exemplos (artigo de Gino Oyamada, publicado em 17 de fevereiro de 2018)

Leia também: A Petrobras e a interferência política (editorial de 18 de fevereiro de 2018)

Diferentemente do que ocorre no Brasil, a maior riqueza da Noruega é o petróleo. É sabido que, com a atual tecnologia, que não deve sofrer qualquer salto qualitativo até 2050, temos condições de explorar petróleo por mais 45 anos. Então, se quiser continuar a gerar riqueza e desempenhar um papel importante no cenário político internacional, é imperativo que uma companhia nacional de petróleo expanda seus programas de desenvolvimento de energias complementares, bem como a busca por métodos exploratórios que causem menor impacto negativo ao meio ambiente.

Na expectativa de mudanças que tragam um pouco de ordem e progresso a nosso país, faço aqui minha pequena contribuição para o recrudescimento desta nossa tão combalida Petrobras, mas também um alerta: não nos deixemos levar pelas ideias pré-concebidas, pelos modismos, pela intransigência dos extremos. Privatização e estatização são medicamentos de altíssimo foco, a serem aplicados em doses adequadas, por profissionais gabaritados. Há de se por um fim à “palpitologia” que grassa em nosso país. Deixemos aos profissionais competentes o exercício de funções que exigem profissionais e florescem com competência. Sejamos um povo mais sério, mais aplicado, mais patriota. Tenhamos a capacidade de exercer nossa cidadania, exigir o que nos é de direito; mas comprometamo-nos também com o cumprimento de nossos deveres, com o respeito a nossos compatriotas, aqui nascidos ou que tenham adotado o Brasil por amor. O Brasil é nossa terra. É nossa, a alegria de sermos brasileiros. Que volte a ser também nosso orgulho.

Patrizia Tomasi é engenheira e consultora da Planck E.
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