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"Dividir os recursos do pré-sal com outros estados brasileiros seria um ato de brutalidade com o Rio de Janeiro", afirmou recentemente Sérgio Cabral, governador. Não será por falta de liderança que o Rio de Janeiro perderá a batalha pelos royalties do petróleo, como se pode ver na frase acima. Desde sempre, o governador Sérgio Cabral é um ativo defensor das atuais regras de divisão dos recursos do petróleo. Claro, seu estado é o principal beneficiário pelas atuais regras, lembrando que os municípios de Campos, Macaé, Rio das Ostras e Cabo Frio, todos no Rio de Janeiro, levam mais de metade da renda petrolífera destinada a todos os demais municípios recebedores. Entretanto, se o líder é bom, não o é a sua causa, posto que ela pode assim se resumir, em bom carioquês: "Ninguém tasca, eu vi primeiro". Mas o que pode dar um bom samba, pode ser uma péssima interpretação constitucional.

Pois a atual regra de divisão das rendas do petróleo – royalties, participação especial, bônus de assinatura, entre outras modalidades – contraria em tudo a letra da Constituição e, principalmente, o seu espírito, constituindo-se uma autêntica apropriação indébita do patrimônio que é de todo o país, por uma pequena minoria de estados e municípios – principalmente o Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo. Com efeito, a Constituição definiu, como bens da União – ou seja, nosso, de todos os brasileiros –, os recursos naturais da plataforma continental e da zona oceânica exclusiva, assegurando, en passant, a participação no resultado da exploração de petróleo e gás natural aos estados, ao Distrito Federal e municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, "nos termos da lei".

A lei, infelizmente, por cochilo dos legisladores – e uma bem sucedida mobilização dos deputados e senadores do estado do Rio de Janeiro – tratou de beneficiar principalmente os estados e municípios ditos "produtores". As aspas e o grifo para lembrar que o petróleo, no caso, encontra-se na plataforma continental, longe do território destes estados e municípios, que nada perdem com a exploração do petróleo, ao contrário do Paraná, com vastas porções de seu território submersas por usinas hidrelétricas. Um determinismo meramente físico (proximidade dos municípios com os campos de produção offshore) levou ao esquecimento de que o petróleo é nosso (não deles).

Uma rápida incursão pela legislação petroleira mostrará que o conceito de renda petrolífera na plataforma continental é de 1985 (Lei 7.453/85). Anteriormente a esta lei, o petróleo offshore rendia royalties somente à União. Pelo simples e elementar motivo que a plataforma continental pertencia e pertence à União, não cabendo a esta pagar royalties a quem não é seu proprietário. Somente com a Lei 7.525, de 22 de julho de 1986, foi instituído o conceito de estados e municípios confrontantes, área geoeconômica, zonas de produção principal, secundária, limítrofe e outras bobagens – a mais tola delas a que manda traçar as linhas de projeção dos limites territoriais segundo a "linha geodésica ortogonal à costa" – como se nossas praias fossem traçadas na ponta do esquadro – destinadas a legalizar uma decisão política de beneficiar, sob falsos pretextos, três estados e alguns municípios em detrimento de todos os demais estados e municípios e da federação.

Esta decisão política, diga-se, não encontra fundamento no dever jurídico de compensar os estados e municípios por uma perda real – que é o caso do Paraná, com suas hidrelétricas; de Minas, com as imensas crateras advindas da exploração de seus minérios, etc, mas numa matreira e artificial construção legal denominada "estado e município confrontante", que, desde então, passou a gerar uma fabulosa renda que era, anteriormente, da União, e que passou a ser apropriada majoritariamente pelos fronteiriços da plataforma continental.

O debate do pré-sal ora em curso no Congresso coloca a questão de repor a primazia da Constituição – o domínio da União sobre o petróleo offshore – a igualdade dos estados – e o igual direito de todos os brasileiros à riqueza gerada pelo petróleo. Trata-se de uma excelente oportunidade para o Congresso corrigir um erro descomunal, autêntico atentado contra a federação e contra nosso estado. Espera-se que prevaleça, desta vez, o espírito e a letra da Constituição, que manda dividir fraternalmente entre todos os estados aquilo que é de todos, ou seja, da União.

Hatsuo Fukuda, mestre em Direito pela PUCPR, é advogado e procurador do estado do Paraná.

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