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Parece que, cansados, os brasileiros acabaram se acostumando com o modelo substitutivo de assistência privada à saúde, desonerando o governo da responsabilidade de reforma e incremento do sistema público. Apesar de crescentemente oneroso a cada ano que passa, com reajustes sempre acima da inflação – justificados pela evolução tecnológica e aumento da procura de serviços pelos usuários –, o sistema privado de saúde vem mantendo mais de 55% dos recursos disponíveis de assistência médica no Brasil. Esse modelo substitutivo de assistência é uma cópia mal feita do modelo norte-americano. Tanto lá quanto cá, nota-se a mesma participação das iniciativas pública e privada nos recursos assistenciais, com o Estado assumindo um papel complementar e aparecendo apenas quando constatada a incapacidade do usuário em recorrer ao serviço privado.

Mesmo com o brasileiro já acostumado ao modelo, o sistema privado estanca paulatinamente. A massa usuária não tem ultrapassado a casa dos 40 milhões de pessoas, pouco menos de um quarto da população. Isso permite entender que há um limite de adesão ao sistema privado, determinado pela fatia da renda que a população usuária está disposta a gastar com assistência à saúde.

Estudos do IBGE mostram que a diferença da participação das despesas com a assistência à saúde nos orçamentos familiares, entre brasileiros de maior e de menor renda, não é tão significativa quanto em outros itens de gastos e que não ultrapassa a 5,9% da renda familiar. Mas quando em foco o sistema de pré-pagamento para planos privados, as diferenças são acentuadas, com uma adesão mais expressiva nas faixas de rendas mais altas. Significa dizer que a população mais pobre prefere correr os riscos da não contratação do seguro, recorrer ao sistema público e gastar somente se absolutamente imprescindível, frente às restrições de seus orçamentos. Mas, no final, acaba gastando um percentual de renda quase igual aos demais, para o que colabora o custo dos medicamentos. Assim, nossa população divide-se em dois grupos: 40 milhões de pessoas protegidas pelo sistema privado, e outras 130 milhões de pessoas à margem, dependentes dos recursos públicos.

Americanizado no conceito, nosso sistema tem um quadro de adesões que compromete a eficácia do modelo e a postura do Estado. O Centro Nacional de Estatísticas da Saúde dos Estados Unidos revelou que nos últimos dez anos a adesão de americanos ao sistema privado vem caindo, especialmente na população abaixo de 18 anos, em função do custo dos seguros. Mesmo assim, a participação da iniciativa privada na assistência à saúde, nos Estados Unidos, conta com uma adesão de 67% das pessoas, o que corresponde a uma população de cerca de 200 milhões de usuários, contra cerca de 55 milhões vinculados à assistência pública. A conclusão que se pode extrair é óbvia: a participação minoritária do sistema público norte-americano, no conjunto das ações, é compatível com o volume da população usuária, enquanto no Brasil o quadro é inverso.

A qualidade da assistência médica privada no Brasil tem padrões positivos que não permitem sensíveis reduções de custos como forma de incrementar a participação e adesão da população hoje excluída. Assim, não podemos esperar que 67% da população – como nos Estados Unidos – venha a ter acesso à assistência privada como resultado de preços mais acessíveis. A adesão norte-americana é conseqüência de um nível médio de renda per capita quatro vezes maior que a de cada brasileiro.

A evolução de nossos padrões assistenciais depende, limitadamente, de dois focos: maior investimento do Estado em assistência pública e aumento da renda familiar, ambos atrelados ao crescimento econômico. Sem isso, mesmo com o bate-pé dos órgãos de defesa de consumidores ou das associações médicas, o futuro de nosso modelo será cada vez mais sombrio.

Paulo Mente é economista e ex-presidente da Associação Brasileira dos Fundos de Pensão Fechados.

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