• Carregando...

O Brasil é o único país do mundo a adotar uma política monetária contracionista em meio à maior crise econômica de todos os tempos. O fato de ter baixado a taxa básica de juros em 1 ponto percentual há 45 dias, muda a direção da política monetária mas não a torna ainda expansionista, como precisa ser.

Para uma economia que opera num nível de 13%, uma redução de 1 ponto é relativamente insignificante pois representa uma queda 7,7%. A maioria dos países já cortaram suas taxas de juros em 80% do valor vigente no início de 2008. O Chile reduziu sua taxa de política monetária (a TPM) de 8,25% em dezembro para 5,88% em fevereiro, redução de 2,37% pontos ou uma queda de 28,7% em termos relativos. Muitos países operam em zero ou próximo de zero. Nesta linha, partindo do nível atual de 12,75%, um corte agressivo seria uma redução de no mínimo 25% da taxa Selic, o que significaria reduzi-la para 9,50%.

A formação de expectativas quanto à taxa de juros está matizada, no Brasil, pelo conservadorismo da autoridade monetária. A conseqüência é uma visão equivocada sobre o nível de taxa de juros em que deve ser operada a política monetária. Não se discute a direção, mas o nível e a dose da taxa. E a métrica da dose está viesada. As mentes foram adestradas a pensar em 1 ponto como um corte agressivo. Os cortes homeopáticos dos juros não exercem nenhum efeito prático como instrumento monetário de combate à crise de produção. Nas duas últimas reuniões (dezembro e fevereiro) o BC atrasou a política monetária e criou um hiato entre a velocidade da crise e capacidade de reação da política monetária. Deixou a crise se instalar. Qualquer corte inferior a 2 pontos na reunião de hoje aumentará o hiato.

O que deveria ser levado em conta pelo Copom não é apenas rigidez dos preços para baixo. A desvalorização cambial está jogando os preços para cima, mas a retração da demanda e o estouro da bolha das commodities estão jogando os preços para baixo. O efeito final pode estar se manifestando num baixo pass-through e no descompasso entre a queda da produção e dos preços. Na mudança de maré, a água corre lenta. Depois que a virada se firma, a correnteza aumenta. Numa economia dominada por oligopólios a capacidade de fixação de preços das indústrias é muito grande. Elas preservam seus lucros alterando as taxas de mark-up e atrasando os repasses. A lenta queda dos preços não pode ser usada como argumento para limitar a baixa da Selic, pois não é um fenômeno causado por demanda. É um efeito de virada de maré.

Outros elementos devem ser considerados. O principal é a dimensão da crise e os espaços existentes para políticas monetárias mais agressivas como meio de frear a bola de neve. Os países desenvolvidos estão lançando mão dos dois instrumentos básicos: política monetária e fiscal expansionista. As ações monetárias ocorrem em duas frentes. Uma é via redução da taxa de juros e a outra pela expansão, violenta, da base monetária. O segundo caso é o clássico mecanismo de fiat-money. Ocorre que estas economias estão em plena armadilha da liquidez e, nessas condições, a política monetária não funciona. Isto ocorreu na década de 30, como é sabido, mas também na década de 90, no Japão. Por isso estão tendo de recorrer violentamente à ampliação de gastos e redução de impostos.

O Japão dos anos 90 é um caso emblemático, em pequena escala, daquilo em que poderá se converter o esforço de combate à crise. Usando a política fiscal como único instrumento, após cair em armadilha da liquidez, o país acumulou uma dívida que está atualmente em 197% do PIB. Os EUA já estavam com 67% do PIB antes de anunciar os planos de ajuda. Deverão fechar 2009 com 75% ou mais. Por muito menos o Brasil já quebrou. Então, a política monetária neste momento tem que se pautar por estratégicas mais amplas, indo além dos argumentos binários de inflação: sim ou não. Os preços, cedo ou tarde, vão cair.

No que tange à política monetária o caso do Brasil é diferente de outros países, pois possui um vasto espaço para redução da taxa de juros. Se o BC continuar lento e homeopático, poderá empurrar de vez a economia para a recessão.

A política monetária é, para o Brasil, o melhor instrumento no momento e o mais barato. Uma redução mais agressiva dos juros diminuirá o custo de rolagem da dívida e diminuirá a pressão sobre o orçamento público, abrindo mais espaço para políticas fiscais expansionistas compatíveis com a sustentabilidade e até mesmo queda da relação dívida/PIB além de exercer os tradicionais efeitos sobre os investimentos e consumo. Um luxo que outros países não têm. É preciso então explorar mais rapidamente o canal monetário antes de ter que entrar no perigoso terreno do endividamento público.

A crise vai durar muito mais do que se imagina. A razão disso é o equilíbrio intertemporal do setor público. O violento esforço fiscal para interromper a queda da produção vai contaminar os orçamentos públicos e inflar as dívidas públicas. O resultado final do esvaziamento das bolhas financeiras será o enchimento das bolhas de dívidas públicas.

Se o Brasil usar mais agressivamente a política monetária agora, vai passar ao longe do problema fiscal e despontará após 2010 como o país mais preparado macroeconomicamente para crescer.

João Basilio Pereima Neto é professor e vice-chefe do Departamento de Economia da UFPR.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]