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No mês passado, ocorreu na cidade de Nova Orleans (EUA) o 56.º congresso da International Studies Association. Este é o congresso acadêmico mais relevante da área de relações internacionais. Normalmente, fora dos círculos acadêmicos, há o entendimento equivocado de que teoria e prática são elementos distantes e que, frequentemente, estão em lados opostos. Contudo, essa é uma visão bastante limitada e até mesmo ingênua.

É bem verdade que as teorias, sobretudo dentro das relações internacionais, buscam simplificar realidades complexas. Contudo, são precisamente os instrumentos teóricos e conceituais, debatidos e aprimorados em congressos como esse, que permitem, por um lado, uma leitura um pouco mais analítica da realidade internacional e, por outro lado, delineiam o entendimento geral sobre a mesma.

Há uma clara divisão internacional do trabalho relativamente à produção do conhecimento, principalmente no que toca às relações internacionais

Logo, tais instrumentos moldam como são entendidos pilares fundamentais do cenário internacional como integração, paz, segurança, desenvolvimento ou mesmo ameaça internacional. Consequentemente, demarcam a forma como se age e como não se pode agir dentro da realidade internacional. Não por acaso, vários países têm analistas e teóricos das relações internacionais auxiliando em diferentes graus na formulação de suas políticas externas.

Observando as formas como a cena internacional como um todo é analisada, algumas questões importantes emergem. A principal delas tem a ver precisamente com o fato de que há uma clara divisão internacional do trabalho relativamente à produção do conhecimento, principalmente no que toca às relações internacionais. Enquanto o Norte global busca ter o monopólio da produção de teorias e sobre o que é entendido como conhecimento, o Sul global é inserido como simples fornecedor de matéria-prima para as teorizações lá produzidas.

Consequentemente, grande parte das análises normalmente tem o Norte global, mesmo que implicitamente, como seu principal referencial. Assim, a realidade internacional é lida tendo em conta sua visão, seu entendimento e, por conseguinte, seus interesses. Isso gera graves distorções na forma como o cenário internacional é lido e apreendido. Acaba-se por sobrevalorizar determinados atores e dinâmicas, e marginalizar, ou até mesmo tornar invisíveis, diferentes atores e realidades. Concretamente, isso impacta no entendimento, por exemplo, se o que é entendido enquanto uma real ameaça à grande maioria da população global é a proliferação nuclear ou o preço dos alimentos e grãos, ou mesmo a dificuldade de acesso à água potável. Em última análise, tem-se uma visão parcial, e até mesmo errônea, da realidade internacional.

Para se ter uma inserção internacional aprofundada e estruturante, é preciso ter em conta que esta não escapa à geopolítica da produção do conhecimento. Por isso, países como o Brasil e demais nações do Sul global devem se engajar ativamente na construção de instrumentos teóricos e conceituais, relativos às relações internacionais, tendo em conta suas próprias visões e realidades, o que raramente ocorre atualmente. Para tal, não há outro caminho que não o investimento pesado direcionado ao apoio a pesquisas que busquem a construção de distintos entendimentos da cena internacional. Resta saber quando caminharemos nessa direção.

Ramon Blanco, doutor em Relações Internacionais, é professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila).
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