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Por que educar?
| Foto: Pixabay

A passagem da família para a escola é significativa na vida da criança. Será que conseguimos delimitar um espaço onde a criança é acolhida de maneira íntegra? A educação é um problema desde sempre. Assim, o meu desejo de comunicar pensamentos a cerca destes problemas existenciais humanos que, independentes de espaço-tempo, sempre foram e sempre serão relacionados com assuntos educacionais, abrem este espaço: o espaço filosófico. Nesta tentativa não posso pretender solucionar assuntos tão complexos e debatidos por grandes teóricos, particularmente homens bem intencionados, em todos os tempos esforçaram-se em resolver problemas educacionais e expressaram seus pontos de vista com clareza.

Da fonte filosófica poderei eu, derivar a coragem para expor opiniões juntando um outro fundamento tão importante para nós humanos: o da experiência e da convicção pessoal. Nesse campo o conhecimento da verdade por si só não basta; ao contrário, tal conhecimento precisa ser incessantemente renovado se não se deseja perdê-lo. As mãos laboriosas dos educadores devem estar ativas, para que o trabalho incessante do educar permaneça firme. A essas mãos laboriosas pertencerão também as minhas.

A escola sempre será o meio mais importante para transferir a riqueza da tradição de uma geração para a outra. Essa seria a conditio per quan [condição pela qual a outra coisa existe] da escola existir. Percebo que esta questão passa-se hoje num grau mais elevado do que em épocas anteriores, pois através do desenvolvimento moderno do capitalismo, a família, como portadora da tradição e da educação perdeu seu “poder”. A continuidade e a sanidade da sociedade humana portanto, dependem hoje muito mais da escola do que antigamente.

Algumas vezes teóricos consideram a escola simplesmente como o instrumento para transferir uma certa quantidade máxima de conhecimento à nova geração. Mas o que é conhecer? Essa pergunta ainda não foi respondida e por não ser respondida o desenvolvimento capitalista respondeu de forma técnica ligando-o em profissões. Desta forma o conhecimento tornou-se morto; a escola, porém, serve aos vivos. Nesta questão a escola junto com as mãos do educador deve desenvolver nos indivíduos jovens as qualidades e capacidades que são de valor a permanência da vida humana. Conhecer é re-conhecer a história evolutiva universal e não reduzir o conhecimento a profissão. Advertência: para que alguma coisa seja qualificada como conhecimento, é suficiente, mas não necessário, que ele seja verdadeiro. O conhecimento verdadeiro é um caso particular de conhecimento; muito do nosso conhecimento construído é conjectural. No entanto, o que importa é que este conhecimento seja impregnado de coisas da realidade fazendo com que nós sobrevivamos no sistema universal. Desta forma, o indivíduo não torna-se um mero instrumento da comunidade, como os “animais sociais”, ou seja,  uma abelha ou uma formiga. A realidade que é impregnada no indivíduo presta um “serviço” fundamental; cria indivíduos que pensem e atuem com independência.

Mas, como atingir esse ideal utópico? Observo um movimento de tentar esse objetivo pela moralização. Penso que de modo algum devemos construir esse caminho que descaracteriza o atuar com independência. Desta forma, as palavras serão e permanecerão sons vazios, e o caminho do homo sacer [expressão latina que significa “homem sagrado”] é acompanhado pela demagógica adesão à um ideal. Esta busca demagógica influência as crianças de forma contundente, pois sabemos que as crianças formam-se pelo que ouvem ou lhe dizem, e também, pelo que olham.

Desse modo, o mais importante método educacional deve perpassar pelo estimular o aluno a realmente atuar. Isso se aplica às primeiras tentativas de escrever na criança primária quanto a tese de doutorado para um título universitário, ou a simples memorização de uma poesia, à redação de uma composição, a resolução de um problema de matemática ou a prática de um esporte. Por detrás de cada realização, inegavelmente, existe a provocação da realidade que é seu fundamento e por sua vez, é fortalecida no empreender a ideia em si mesma. Aqui estão as diferenças mais flagrantes, e que são de maior importância para o valor educacional da escola. O mesmo labor pode ter sua origem no medo, no desejo ambicioso de adquirir autoridade e distinção, ou no interesse motivado pelo amor ao conhecimento e no desejo pela verdade, e desse modo, naquela curiosidade divina que possui toda criança, mas que tão frequentemente logo enfraquece. É neste momento que entram grandes mestres do saber não deixando o enfraquecimento brotar e a autoridade vingar. Desta forma temos claramente que a influência dos professores sobre a formação não somente intelectual já é assunto discutido e sabido.

A educação pautada na autoridade destrói o olhar do maravilhamento, a sinceridade e a autoconfiança da criança em idade escolar. Produz sujeitos submissos e adaptáveis. Colocar na seara do professor o menor número possível de medidas coercitivas, de modo que a única fonte de respeito do aluno para com o professor seja as qualidades humanas que encontram-se no sistema psicossocial e intelectuais deste último. Sei que as escolas neste país (Brasil) estão em mutação. A barreira escola particular  X escola pública deve ser derrubada o mais rápido possível. A educação não pode ser um termômetro da evolução do capital. Ela deve ser um termômetro social e cultural, mas, jamais econômico.

No sistema psicossocial, está o desejo de obter  reconhecimento e consideração e isto por sua vez encontra-se na condição humana. Com a ausência de reconhecimento, penso que seria impossível a cooperação humana. O desejo de aprovação por parte dos semelhantes é certamente um dos mais importantes fatores de coesão social. Essas emoções não pontuais formam forças que podem ser destrutivas ou construtivas. Inegavelmente, as forças destrutivas e construtivas andam lado a lado. O desejo de aprovação e reconhecimento trafega por questões muito tênues. A principal delas é que o desejo de ser reconhecido como melhor, mais forte ou mais inteligente do que seu semelhante, além de ser eminentemente um pensamento capitalista onde a meritocracia é o juiz do jogo, leva um ajustamento patologicamente egoísta, prejudicando o indivíduo e sua sociedade. Portanto, o modo comparativo de avaliação dos alunos com notas deve ser abolido rapidamente, pois cria indivíduos competitivos. Não precisamos de indivíduos competitivos, mas sim altruístas. Aliás, penso que o altruísmo é o único modo que sobrou para permanecermos no sistema universal.

Desta forma, deveríamos abster-nos de pregar aos jovens o êxito; no sentido, como alvo da vida. Pois um homem bem sucedido não é aquele que obtém êxito, mas sim aquele que promove alopoiēsis para o sistema permanecer. Vejo a tarefa mais importante desempenhada na escola: no despertar e no fortalecer dessas forças, floresce o desejo prazenteiro pelas mais elevadas vontades de ser ser humano, ou seja, o desejo do conhecimento no labor diário em forma de arte. Se a escola conseguir trabalhar com êxito a partir desses pontos de vista, seus mestres serão altamente reconhecidos pela geração emergente e as tarefas dadas pela escola serão aceitas como uma espécie de dádiva. Realmente, poucas crianças preferem a escola ao período de férias.

A construção deste tipo de escola exige professores-artistas em sua especialidade. Algumas medidas podem ser tomadas de imediato para construirmos essa fonte de saber. Em primeiro lugar, penso que os professores-artistas deveriam fazer parte integral da escola, ou seja, não haveria um corpo docente, mas, sim um corpo integral. Em segundo lugar, o professor-artista deveria gozar de extrema liberdade para escolher material e nos métodos de ensino por ele empregado. Pois justamente é ele que passará a criança o prazer do sentimento do conhecer. É isso que chamo de: cosmética do conhecimento.

Se o leitor seguiu com atenção minhas meditações até este ponto, provavelmente estará perguntando-se: e a escolha dos assuntos? Deve predominar o ensino da linguagem, das humanidades ou da educação técnica em ciência? A isso respondo: em minha opinião tudo isso é de importância secundária. A estética deve ser ensinada primeiramente, ou seja, o ato de maravilhar-se. Desta forma, a educação é o que sobra, quando se esqueceu tudo o que se aprendeu na escola. Por esta razão não tenho nenhum desejo de tomar partido na luta entre os seguidores da educação clássica filológico-histórica e os da educação mais dedicada às ciências naturais.

Por outro lado, devo me opor à ideia de que a escola tem de ensinar diretamente o tipo “especial de conhecimento” e as técnicas que uma pessoa tenha que utilizar mais tarde diretamente em sua vida. As exigências do viver são demasiadas complexas para permitir que uma preparação tão especializada seja possível na escola. Além disso, parece-me digno de objeção tratar o indivíduo como uma ferramenta morta ou com objetividade e neutralidade científica. A escola deveria sempre ter como alvo um jovem que saísse dela como uma pessoalidade harmoniosa e altruísta e, não como um especialista gélido. Esta questão em minha opinião se aplica até certo ponto às escolas técnicas, cujos alunos se dedicarão a uma profissão bem definida. O desenvolvimento da capacidade amplo de pensamento e julgamento independentes sempre deveria ser colocado em primeiro lugar, e não a aquisição de conhecimento especializado.

Se uma pessoa domina o fundamental no seu campo de estudo e aprendeu a ser uma pessoa com o olhar do maravilhoso, além de quebrar a maldição das gerações anteriores, pensará e trabalhará independentemente em prol da construção do psicossocial, ela certamente encontrará seu caminho, e além do mais, será capaz de adaptar-se rapidamente ao progresso e as mudanças impostas pela realidade do que as pessoas cujo treinamento excessivo e consistente na aquisição de conhecimento detalhado.

Para terminar, quero enfatizar aqui que o que eu disse, de forma categórica, não tem outra pretensão a não ser expressar a opinião pessoal de um homem, fundamentada em sua experiência pessoal, adquirido como Filósofo por sina e como aluno salvo do sistema perverso.

Luís Gustavo Severiano é filósofo autoral e fundador do Pensamento Poiético. Escreveu quatro livros.

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