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Jobs foi um dos ressuscitadores do industrialismo inovador, depois de décadas em que a atividade industrial deixou de buscar a criatividade e a ousadia para se tornar uma repetição de produtos medíocres

Bernard Shaw colocou na boca da serpente, em uma de suas peças a frase: "Alguns veem as coisas que existem e se perguntam ‘por quê?’. Eu sonho com coisas que não existem e me pergunto: ‘por que não?’". Steve Jobs, que morreu no auge de seu esplendor intelectual aos 56 anos, é membro do grupo reduzidíssimo que se pergunta "por que não?" e não aceita respostas fáceis.

Por que não aparelhos bonitos, atraentes? Por que não um computador em forma de tablete que cabe em uma pasta ou bolsa, armazena milhares de livros eletrônicos, de músicas, serve para mandar mensagens e recebê-las e que ajuda o fraco de visão ampliando facilmente os tipos de letras, as telas deslizam suavemente ao toque da mão? Por que não uma tecnologia inteligente que não insista em avisar que você "cometeu uma operação ilegal e será desligado" sem que você tenha cometido nenhuma?

Jobs, segundo as testemunhas era um tipo incomodativo, exigente, detalhista, sonhador teimoso, que quando foi demitido da direção da Apple em 1985, passou a ocupar a função (com cartão de visitas e tudo) de Resident Visionary, o visionário da casa. Os realistas pragmáticos que o demitiram quase quebraram a empresa; ele, o Resident Visionary voltou para salvá-la da falência e a transformou na empresa mais valiosa do planeta em termos de capitalização. (Bernard Shaw de novo: "o progresso se deve aos insensatos"; sensatos só fazem coisas sensatas, já feitas e testadas anteriormente por outros sensatos).

Já se disse e se escreveu muito sobre o legado de Steve Jobs, Colocando minha colher nesse tacho, acho que ele foi um dos ressuscitadores do industrialismo inovador, depois de décadas em que a atividade industrial deixou de buscar a criatividade e a ousadia para se tornar uma repetição de produtos medíocres, feitos para estragar logo de modo a poder ser substituído por outros produtos medíocres, inidentificáveis na sua mesmice.

Jobs se orgulhava de não acreditar em pesquisas que identificassem desejos e necessidades dos consumidores, pois achava, corretamente, que estes, o mais das vezes, não eram capazes de saber abstratamente o que viriam a desejar ou necessitar no futuro. Quem sabia que iria necessitar de um iPad? Quem sabia que iria desejar um smartphone? Quem imaginava que precisaria de um telefone que tirasse fotos com a mesma qualidade das máquinas convencionais?

Jobs não estava só. Conclui há pouco a leitura do último livro de Bob Lutz, o ex-vice-presidente da GM responsável pela nova geração de carros bonitos e atraentes que estão permitindo que a empresa recupere seu prestígio como grande fabricante de veículos de padrão mundial. Nele, Lutz faz uma defesa ardorosa da estética, da beleza e da qualidade como ingredientes fundamentais dos produtos modernos, uma evidência meio óbvia, mas que foi esquecida nestes tempos de corte de custos, produtos descartáveis, mediocridade industrial generalizada. E também do intelectualismo exagerado dos MBAs e PhDs que acreditam que podem transformar uma empresa em um conjunto de algoritmos infalíveis, apenas para ser derrotados pelos fatos. Na esteira dessa filosofia de Lutz e Jobs está também a condenação do capitalismo da esperteza, do descomprometimento com o consumidor em troca do lucro fácil, da especulação financeira desenfreada que não cria valor e sim apenas o transfere dos mais ingênuos para os mais espertos.

As pessoas se maravilham quando vão ao Museu de Arte Moderna de Nova York e contemplam a exposição de objetos industriais notáveis pelo design como as canetas Parker 51, as máquinas de escrever Olivetti Lettera e IBM Selectronics. Ou vão ao Smithsonian Institute onde veem o avião mais bonito feito em todos os tempos, o Constellation. Quem sabe o exemplo de Jobs, que construiu a empresa mais valiosa do mundo fazendo produtos bonitos, funcionais e úteis seja o que falta para que esse tipo de maravilhas industriais não tenha de ser apenas visitado em museus.

PS: será que é impressão minha ou realmente estou sendo feito de idiota (junto com boa parte da população) por uma história que envolve desequilíbrio mental tardiamente diagnosticado de um personagem que durante mais de 20 anos mandou e desmandou na Assembleia Legislativa, manejando bilhões de reais de dinheiro público ao seu bel-prazer?

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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