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A possibilidade da qual o Brasil agora dispõe, de ascender ao restrito grupo que possui poder de veto, representa patamar de poder real, não isento de responsa­­bi­­lidades e de desafios

O Brasil acaba de ver realizar-se o passo mais concreto em direção ao perene anseio de sua política externa. Na recente reunião dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), realizada na China, de maneira inédita e incisiva, o bloco defendeu sem meias palavras a necessidade de reforma da Organização das Nações Unidas (ONU). Vale dizer, mais assentos permanentes em seu Conselho de Segurança e a consequente abertura da vaga brasileira.

A ONU, ao contrário do que afirmam seus detratores, sempre se fortalece após as crises, consolidada como insubstituível fórum mundial, a prover a manutenção da paz e a segurança coletiva possíveis. A recorrente crítica que recebe decorre de expectativas ingênuas acerca do que possa ser o multilateralismo em um mundo de geometrias variáveis, com todos os limites e circunstâncias da realidade. E, se a ONU é importante, o Conselho de Segurança é em seu bojo o órgão das grandes decisões: os membros efetivos, Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China, podem, como única exceção ao princípio da igualdade das nações, bloquear pelo veto individual qualquer decisão da organização, ungindos como os cinco efetivos juízes da sociedade internacional. O Conselho de Segurança possui ainda dez membros transitórios, dentre os quais o Brasil, que, embora possam votar, não podem vetar. Trata-se de grupo de poder aparente, o que explica o empenho do Itamaraty na conquista do assento permanente.

Compor o Conselho de Segurança como membro pleno não corresponde a pretensão nova da política externa brasileira. Já na conferência para a fundação da ONU, em 1945, conforme relatório do chefe da delegação brasileira, embaixador Pedro Leitão Velloso, o país pleiteava o mesmo tratamento que se concedia à França, a assinalar "a decepção que a exclusão brasileira poderia significar junto a opinião pública". Na lógica de poder do segundo pós-guerra, no entanto, a capacidade nuclear era fator primordial e o Brasil estava fora do que depois chamou-se "clube atômico". Claramente, no entanto, temos tradição e prestígio na casa. A primeira fala que se ouviu na Assembleia-Geral, em 1947, foi a de Oswaldo Aranha e, desde então, incumbe ao Brasil a abertura anual das sessões.

Hoje, em um mundo totalmente distinto daquele que viu nascer a organização, no qual as grandes decisões não devem ser tomadas à revelia de potências emergentes como Brasil e Índia, o aggironamento dos mecanismos de poder e de decisões é inadiável. Em particular, com a adoção de medidas de maior transparência e coparticipação, conforme o predominante espírito do tempo em que vivemos.

A possibilidade da qual o Brasil agora dispõe, de ascender ao restrito grupo que possui poder de veto, além do caráter simbológico que encerra, representa patamar de poder real, não isento de responsabilidades e de desafios. No plano dos encargos, devemos estar atentos aos grandes gastos que irão sobrevir, em especial no que se refere à participação em missões de paz, que tendem a ser cada vez mais onerosas e frequentes. Porém os lucros são muito maiores e a Nação adquire outro substrato, com prestígio e credibilidade traduzíveis de imediato em vantagens comerciais e de inserção em novos mercados. Algo indispensável para o País, que necessita aumentar o tamanho e a qualidade de sua economia, assolado pelo clamor da miséria residual de substancial parcela de sua população, a par das contradições de um processo de desenvolvimento desarmônico e sincopado.

De resto, galgar o mais alto escalão internacional poderia ser a redenção para uma identidade nacional, como sociedade que assume o ônus e o bônus de sua propalada grandeza. Também serviria para permitir superar o recorrente dilema da imagem do Brasil: por vezes locus caricato de banalidades e futilidades tropicais e, por outras, a sétima economia do mundo, mercado confiável para investimentos e parcerias estratégicas. Afinal, um passo memorável, a obrigar o País a incorporar e a projetar a sua verdadeira face.

Jorge Fontoura, professor titular do Instituto Rio Branco, é presidente do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul

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