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| Foto: Steve White/Free Images

Durante cinco anos, meu pai, Nelson Pinos, fez “visitas” regulares às autoridades da imigração, e em todas elas aprovaram sua requisição de permanência no país. Em outubro passado, porém, tudo mudou. “Querem que eu saia até 30 de novembro e mostre a passagem só de ida para o Equador”, ele me disse.

Não acreditei. Meu pai, que chegou aqui há mais de 20 anos e se encontra em situação irregular, não tem ficha na polícia, sempre pagou seus impostos e tem três filhos que são cidadãos norte-americanos – eu, minha irmã de 13 anos e meu irmão de 5. Duas semanas depois disso, vi um agente colocar uma tornozeleira na perna direita do meu pai. Quando chegamos em casa, choramos um tempão, abraçados.

Sua ida para o Equador seria um desastre. Eu e meus irmãos nascemos em New Haven e nossas vidas inteiras estão aqui. Somos uma família unida que faz exatamente o que qualquer outra dos Estados Unidos faz: trabalhamos e estudamos muito, saímos para nos divertir. Meus irmãos mal sabem falar espanhol. Em dois anos tenho a chance de ir para a faculdade e meu pai não queria arruiná-la levando-nos com ele para sua terra natal.

Só que também não queria nos deixar, e à minha mãe, em Connecticut. Por isso, em 30 de novembro, o dia marcado para sua deportação, fomos para a Primeira Igreja Metodista Unida Summerfield, no centro de New Haven, onde meu pai reivindicou santuário. Continua com a tornozeleira, e o Serviço de Imigração e Controle de Alfândegas (ICE) sabe exatamente onde se encontra, mas, contanto que não saia de lá, está seguro.

Trabalhamos muito, damos duro e assumimos os empregos que os norte-americanos não querem

Dissemos ao caçula que nosso pai estava trabalhando na igreja. Ele toda hora perguntava: “Por que o papai não pode voltar para casa à noite?”, e chorava quando saía do templo. Conheço um rapaz cujo pai foi deportado quando ele tinha 7 anos – e, embora hoje esteja com 18, ainda acha que foi abandonado. Minha mãe tenta ser forte, mas dá para ver que a situação é crítica. Tento ajudar, mas ela parece sempre tão cansada. Eles faziam tudo juntos.

Por isso, minha família agora só pode gastar no essencial, só que minha irmã não entende isso. Tem horas em que ela pede alguma coisa para o nosso pai, como um tênis novo, e ele diz: “Não posso ajudar. Sou um inútil”. Estou trabalhando no McDonald’s para poder colocar aparelho nos dentes, mas acabei mudando de ideia e comprando o tênis para ela.

Meu pai, que trabalhava no chão de uma fábrica, sempre nos incentivou a estudar. “Não façam como eu, que nem terminei o fundamental”, ele me dizia quando eu tirava um B. Foi mais difícil que o normal ir bem este ano; estava sempre distraída, mas, ao mesmo tempo, decidida a tirar boas notas porque meu pai me fez prometer que não deixaria a situação atrapalhar meu rendimento.

Quando o visitamos na igreja, ele faz piadas e tenta nos deixar à vontade, como se nada estivesse acontecendo, mas eu sei que está supertriste e se sente só. Está estressado e não dorme bem à noite. Mas o pior é sabê-lo sentir-se impotente. Ele sempre repete: “E o que posso fazer? Estou de mãos atadas”.

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Minha irmã me pergunta se, de vez em quando, sinto vontade de gritar e não parar mais. Sinto, sim, mas só posso chorar. Sinto falta dos churrascos e das visitas a uma fazendinha perto de casa, onde alimentávamos os animais. Ou das reuniões na sala, nada de mais, só vendo um filme, rindo. Acreditamos que Deus esteja conosco e que vai nos manter unidos porque nos ama. Meu pai está esperando que a Câmara de Apelações da Imigração, um setor do Departamento de Justiça, decida se vai manter a deportação. Às vezes, quando não consigo dormir, fico morrendo de medo que ele perca as esperanças, saia da igreja e seja deportado pelo ICE.

Quando meu pai me contou dos imigrantes na fronteira, que estavam sendo detidos e separados dos filhos, percebi que a situação deles era muito mais dolorosa e desesperadora que a nossa. Não fui forçada a ficar em uma jaula ou “caixa de gelo” e, mesmo que meu pai não possa sair da igreja, pelo menos posso vê-lo. Por outro lado, eu me identifico com aquelas crianças, já que o governo também quer me separar do meu pai.

Eu realmente não entendo por que as pessoas neste país nos odeiam tanto. Este ano, descobri que não há tantas pessoas boas como achei que houvesse. O fato é que nunca vi e senti tanto ódio. Aqueles que apoiam a deportação de pais imigrantes em situação irregular, mas com ficha limpa, continuam achando que somos todos estupradores ou membros de alguma gangue. Não veem o lado bom, que trabalhamos muito, damos duro e assumimos os empregos que os norte-americanos não querem. Meu pai gosta dos Estados Unidos e se importa com a comunidade; a única coisa que lhe interessa é melhorar de vida pela família. Está só tentando criar bem seus três filhos.

De vez em quando me pedem para falar em manifestações e encontros, como representante da minha família. Quando aceito, sinto que falo não só por mim, mas por todo mundo que está enfrentando a mesma situação. Só espero que minhas palavras chamem a atenção de alguém e inspirem essa pessoa a fazer algo para mudar a forma como os imigrantes estão sendo tratados aqui. Imploro pelo menos um pouco de compaixão.

Kelly Pinos cursa o primeiro ano do ensino médio em New Haven, Connecticut.
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