• Carregando...

Em meio a uma crise de governabilidade, na qual assistimos a uma luta entre os poderes constituídos, surgiu das mãos do senador Renan Calheiros, presidente do Senado, uma pauta dita propositiva, chamada de Agenda Brasil, para tentar criar um novo ambiente no país. Construída sob três pilares – melhoria do ambiente de negócios e infraestrutura, equilíbrio fiscal e proteção social –, a pauta se desdobra em várias ações. Entre críticas e elogios, a Agenda Brasil está posta na mesa e merece uma avaliação criteriosa sobre sua necessidade e eficácia. Fruto de uma estratégia política, essa agenda deve ser analisada à luz de critérios estritamente técnicos e não ideológicos. Afinal, supostamente, é uma agenda para o país.

Destaca-se, no capítulo da proteção social, medidas que visam aperfeiçoar o marco jurídico e o modelo de financiamento da saúde. Vou me ater, neste momento, ao quesito financiamento. O senador Calheiros suscita a discussão sobre avaliar a possibilidade de cobrança diferenciada de procedimentos do SUS por faixa de renda, considerando as faixas previstas para o Imposto de Renda Pessoa Física. Na letra fria, a medida que se coloca para discussão, sem nenhum lampejo de criatividade, transfere para a população mais um ônus para aumentar o financiamento da saúde, sem uma discussão sobre a estrutura e a qualidade do serviço. De imediato, a proposta provocou reação negativa por parte do ministro da Saúde, Arthur Chioro, que considerou a proposta “inviável”. Segundo o ministro, o nosso sistema universal e gratuito, preconizado na Constituição Federal, tem condições de ser eficiente e de boa qualidade.

Antes de falarmos em financiamento, temos de ter claro o modelo de sistema assistencial que queremos

Há muitos anos, vários segmentos da sociedade, desde as entidades médicas até os conselhos de secretários da Saúde, têm denunciado o subfinanciamento do SUS, especialmente no que diz respeito à fatia do governo federal. O próprio ministro Chioro reiteradamente cita a necessidade de um novo modelo de financiamento para o SUS. A título de curiosidade, de um orçamento de R$ 2,16 trilhões em 2014, o governo federal destinou 45,11% destes recursos para pagamento de juros e amortização da sua dívida e somente 3,98% para a saúde. De todo o gasto em saúde no país, 45% vêm do financiamento público (governos federal, estadual e municipal). Os outros 55% correspondem aos investimentos diretos do cidadão brasileiro, por meio de consultas e procedimentos particulares ou seguros e planos de saúde. Não podemos nos esquecer de que o porcentual público também sai do bolso de cada contribuinte ao pagar seus impostos.

Como exemplo, nos países europeus onde existe uma forte participação do Estado no custeio da saúde o financiamento público no atendimento à saúde da população passa a casa dos 70%. Lembro que, nos países desenvolvidos do Velho Continente, a iniciativa privada também está presente. Deixo claro que no nosso país não poderia ser diferente, pois, pela sua grande população e extensão continental, um sistema exclusivamente público poderia inviabilizar qualquer indicador de saúde.

Segundo dados da própria Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), as operadoras de planos de assistência médico-hospitalar pagaram R$ 107 bilhões em procedimentos para o atendimento aos seus beneficiários em 2014 – pouco mais de 50 milhões de vidas no Brasil. No mesmo ano, o orçamento previsto, mas não realizado, pelo Ministério da Saúde foi de R$ 106 bilhões, só que para os outros 75% da população – ou seja, 150 milhões de pessoas. Somente estes números mostram o quão defasado está o processo de financiamento federal à saúde.

Trago à baila outra distorção do sistema de saúde, que se diz único, com um braço público e outro privado, chamado de suplementar. Nas palavras da Constituição e do ministro, ele é universal, o que na prática sabemos que não ocorre. É muito claro que, por questões de financiamento e de gestão, nosso país depende de um sistema híbrido, mas que precise ser mais transparente em suas ações. Exclama o ministro Chioro que o cidadão brasileiro tem o direito constitucional ao atendimento gratuito e universal, porém, de forma incongruente, aquele que possui um plano de saúde tem sua despesa com o SUS paga pela operadora à qual está vinculado. Isso, além de ser um contrassenso ao direito da universalidade, torna o sistema suplementar em substitutivo, criando uma fragilidade jurídica.

Em que pese o caráter politico da Agenda Brasil, penso que, antes de falarmos em financiamento, temos de ter claro o modelo de sistema assistencial que queremos. Não basta somente dinheiro, mas precisamos de vontade política e gestão para qualificar o atendimento e colocar a saúde dos brasileiros como prioridade do Estado. Não podemos permitir que um novo olhar sobre o sistema de saúde tenha o mesmo resultado da recente reforma política, que nada reformou de fato, e seja usado somente como pano de fundo para desviar a atenção da crise de governabilidade. A crise é uma ótima oportunidade para se passar a limpo o país e, neste contexto, o tema trazido merece destaque.

Entendo que para se garantir um sistema universal de qualidade é vital a coexistência entre o público e o privado, mas com regras mais claras e a definição de um sistema realmente único que tenha em seus dois braços a responsabilidade da saúde de toda uma nação.

Alexandre Bley, médico cirurgião vascular, e presidente da Unimed Curitiba.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]