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Em março de 2003, o governo de Fidel Castro prendeu um grupo de 75 dissidentes políticos do regime cubano, incluindo 27 jornalistas, condenando-os a penas que variaram de 14 a 27 anos de prisão. Tal fato ficou registrado na história como a Primavera Negra de Cuba. Segundo Augusto Nunes, o crime desses condenados foi o de “imaginar uma Cuba diferente, opor-se politicamente às autoridades e expressar tais opiniões por escrito”.

Passados 12 anos, o Brasil viveu também uma Primavera Negra, ainda invisível para a maioria da população. Ao contrário do grupo de 75, o contribuinte brasileiro ainda não se deu conta do que está por vir na área tributária a partir de janeiro de 2016 e, por isso, ainda não se expressou e protestou contra os movimentos rápidos dos governos federal e estadual no mês de setembro para arrecadar mais impostos a partir do ano que vem.

Apesar da chegada da primavera, com suas cores e flores, setembro terminou escuro e sombrio. Não bastasse o cenário econômico de queda na produção industrial e nas vendas do varejo, com cortes de pessoal em todos os setores da economia, o governo Richa valeu-se da maioria de sua base de apoio na Assembleia Legislativa do Paraná para aprovar aumentos de impostos para 2016, e o governo Dilma editou duas medidas provisórias e conduz diversas outras medidas aumentando a carga tributária para o próximo ano.

O contribuinte brasileiro ainda não se deu conta do que está por vir na área tributária a partir de janeiro de 2016

Ambos estavam atentos aos princípios da anterioridade nonagesimal e de exercício financeiro para implementar tais medidas. Para que os aumentos de impostos pudessem valer a partir de janeiro de 2016, precisariam estar publicados até o fim de setembro deste ano, 90 dias antes da entrada em vigor.

No âmbito dos tributos estaduais, o processo ganhou mais publicidade porque o governo do Paraná encaminhou projeto de lei para a Assembleia Legislativa e a imprensa acompanhou a tramitação da proposta até a aprovação final. Entre as mudanças aprovadas pelos deputados estaduais está o aumento da multa pelo não recolhimento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que, a partir de janeiro de 2016, poderá chegar a 200%. Hoje, a multa é de apenas 10% e para o próximo ano a multa mínima passa a ser de 50% por atraso no recolhimento.

Mas as maiores surpresas da Primavera Negra vieram de medidas provisórias publicadas pelo governo federal nos últimos dias de setembro e que foram pouco divulgadas para o conhecimento dos contribuintes. A Medida Provisória 692, de 22 de setembro, instituiu uma tabela progressiva para o Imposto de Renda sobre ganho de capital na venda de bens e direitos de qualquer natureza, como imóveis, veículos e ações, duplicando a alíquota, que passará dos atuais 15% para até 30%. Somente os ganhos até R$ 1 milhão permanecerão com a alíquota de 15% no IR. De R$ 1 milhão a R$ 5 milhões, a alíquota sobe para 20%; ou para 25% para os ganhos de R$ 5 milhões a R$ 20 milhões; e ganhos acima de R$ 20 milhões passarão a recolher 30%.

Também com o objetivo de aumentar as receitas em 2016, já que os cortes das despesas não acompanham as necessidades do país e os desejos dos contribuintes, o governo Dilma publicou no último dia de setembro a Medida Provisória 694, com várias mudanças tributárias em um único texto. A MP 694 implementa quatro mudanças para 2016. Primeiro, aumenta a alíquota do Imposto de Renda incidente sobre o pagamento de juros sobre o capital próprio (JCP), de 15% para 18%. Segundo, introduz limite porcentual de pagamento de JCP em 5% anuais. Terceiro, aumenta para 1,11% e 5,02% as alíquotas do PIS e da Cofins, respectivamente, incidentes sobre a importação do etano, propano e butano. Quarto, suspende para 2016 a possibilidade de as empresas excluírem do lucro líquido, na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL, os investimentos com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica, previstos nos artigos 19, 19-A e 26 da Lei 11.196/2005.

Em que pesem os aumentos da carga tributária, quando o setor produtivo clama por redução para a manutenção das atividades e dos níveis de emprego, a quarta novidade da MP 694 pode trazer danos profundos para o país no longo prazo. Essa medida desestimula qualquer investimento em pesquisa e inovação tecnológicas. Num momento em que mais precisamos crescer, o governo puxa o freio de mão da iniciativa privada em investimentos de inovação. Já não estamos avançando no ritmo necessário e, agora, poderemos andar para trás.

O impacto financeiro e orçamentário dessas mudanças da Primavera Negra precisa valer muito a pena para tamanho sacrifício que os governos estão impondo mais uma vez à nação, cuja conta será paga por todos os contribuintes! Vamos protestar como os cubanos em 2003 ou vamos aceitar e nos conformar, sem nos manifestar?

Nereu Domingues é advogado especialista em planejamento sucessório e direito tributário.
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