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A democracia brasileira encerrou ontem o maior pleito eleitoral de sua história, em um ambiente blindado por indiscutível estabilidade institucional e econômica. A partir de janeiro de 2011, a tarefa prioritária do novo governo, dotado de apreciável estoque de capital político, repousará na premência em escapar da letargia do comodismo, ocasionada pelo boom vivido pela economia em 2010, movido a emprego, salário e crédito.

Lembre-se de que o incremento de quase 8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010, amparado na impulsão do consumo doméstico, praticamente exauriu as margens de ociosidade do ativo fixo do setor industrial, acumuladas durante a crise, e não deve ser transferido inercialmente para o ano seguinte, em razão do ainda baixo patamar de investimentos em nova capacidade produtiva.

Nessas circunstâncias, as autoridades terão de atentar para a necessidade em executar um desvio de eixo na gestão econômica, mediante a combinação entre a preservação das variáveis de estabilização e a incorporação dos serviços de lubrificação dos parâmetros de crescimento. Isso significará privilegiar o aprimoramento do ambiente de negócios, a promoção das reformas microeconômicas e a elevação da taxa de investimento, sobretudo em infraestrutura.

Para tanto, soa imprescindível a compressão do custo do capital no Brasil, mediante uma abrangente reforma financeira que resulte em maior competição entre os bancos e recuo do preço do dinheiro. Inferências do Ministério da Fazenda denotam que o rendimento nominal anual do capital especulativo no país é o 3.º maior do mundo. As aplicações de curto prazo pagam 14,5% ao ano, ficando atrás apenas da África do Sul (18,2% a.a.) e da Austrália (15,8% a.a.).

Na mesma linha, é vital a destruição dos alicerces da bolha de endividamento privado que começa a se formar com maior vigor. Estimativas do Banco Central (BC) revelam que 13,3% e 10,5% dos rendimentos mensais das famílias brasileiras estariam comprometidos com o pagamento dos juros e do principal dos seus passivos, respectivamente, totalizando 23,8% contra 17% nos Estados Unidos (EUA), por exemplo, pivô da crise financeira de 2008 e 2009.

Também segundo o BC, o volume médio de dívidas do brasileiro corresponderia a 40% da renda anual, versus 128% nos EUA, a inadimplência (atrasos nos pagamentos superiores a 90 dias) estaria em 6,2% do total de débitos contra 5,6% nos EUA, e o número de habitantes com obrigações superiores a R$ 5 mil passou de 10 milhões em 2005 para 25,7 milhões em 2010.

É fundamental também a recomposição criteriosa das condições de equilíbrio das finanças públicas. Desde fins de 2008, as ações anticíclicas oficiais e o atendimento dos interesses eleitorais provocaram relaxamento do ajuste fiscal e diminuição do superávit primário para abaixo da meta de 3,3% do PIB, tida como piso para a manutenção da dívida líquida e do déficit público nominal em linha cadente.

Para complicar, as sensíveis alterações registradas na pirâmide etária brasileira tornam o déficit da previdência social, e dos regimes próprios dos servidores públicos na órbita federal, calculado em mais de R$ 100 bilhões para 2010, uma verdadeira bomba relógio de efeito retardado. Projeções do IBGE mostram que as pessoas com mais de 65 anos de idade passarão de 6,8% do total da população em 2010 para 13,3% em 2030.

Afigura-se essencial a recuperação do dinamismo exportador do país, especialmente em produtos manufaturados. A apreciação do câmbio, ao lado da excessiva burocracia, juros altos, precariedade infraestrutural, elevada carga tributária e ausência de ampla retaguarda em Ciência e Tecnologia, vem combalindo a competitividade sistêmica brasileira.

É necessária também a contração da carga e a simplificação do sistema tributário brasileiro, essencialmente regressivo, com enorme participação de impostos indiretos, que, ao penalizar a base, com renda estreita e destinada ao consumo, deprime os orçamentos da população menos favorecida e minimiza a participação da renda e do patrimônio.

As conquistas expressas no retorno e consolidação da democracia e na estabilidade monetária não mais conformam grandes trunfos políticos. Mais do que isso, para uma fração nada desprezível da sociedade brasileira, tais ativos já representam aspectos do cotidiano. E isso é muito bom.

Gilmar Mendes Lourenço é economista, coordenador do curso de Economia da FAE e autor do livro Conjuntura Econômica: Modelo de Compreensão para Executivos.

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