• Carregando...

Temos o maior serviço público de saúde do mundo e não devemos permitir que esse aparato caríssimo seja ineficiente. Os bra­­­sileiros entregam um mês do seu trabalho por ano para financiar o SUS; têm o direito a receber serviço de boa qualidade

No apagar da luzes do governo Lula foi criada, por medida provisória, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares S.A. com a finalidade precípua de prestar, às instituições federais de ensino ou instituições congêneres, serviços de apoio ao ensino e à pesquisa, ao ensino-aprendizagem e à formação de pessoas no campo da saúde pública. Em outras palavras, a empresa vai assumir os hospitais universitários do Brasil. A decisão de instituí-la é surpreendente e merece análise meticulosa.

A empresa pública vinculada ao Ministério da Educação, de sigla EBSERH, tem personalidade jurídica de direito privado e seu quadro de pessoal, formado por meio de concurso, será celetista, tal qual a Caixa Econômica Federal e os Correios. Os atuais cargos públicos das universidades que atuam nos serviços que serão assumidos pela empresa são carreira em extinção. Médicos, enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas, pessoal administrativo, poderão ser contratados, remunerados e demitidos de modo mais simples e rápido que os barnabés típicos. Essa nova modelagem jurídica é a privatização da saúde? Penso que não.

As empresas públicas, entidades de natureza híbrida, são pessoas jurídicas de direito privado, mas estão sujeitas a diversas normas e princípios de direito público, especialmente no que tange ao princípio da continuidade do serviço. Por se dedicarem à prestação de serviços públicos estão sujeitas ao regime administrativo das entidades públicas, nos termos do artigo 175 da Constituição Federal. O curioso, logo depois da campanha eleitoral na qual a acusação de privatizador ganhou conotação diabólica, é ver a assinatura do ex-presidente Lula em ato que Fernando Henrique Cardoso assinaria. Rendição aos ratos ou aos fatos?

A discussão é estéril se fixada na falsa contradição entre público e privado, alçada à questão central apenas por dogmatismo ideológico e oportunismo eleitoral. Temos o maior serviço público de saúde do mundo e não devemos permitir que esse aparato caríssimo seja ineficiente. Os brasileiros entregam um mês do seu trabalho por ano para financiar o SUS; têm o direito a receber serviço de boa qualidade.

A opção pela empresa pública parece razoável, mas alguns cuidados são pertinentes: a) seria melhor uma empresa por unidade hospitalar para que se pudessem comparar resultados entre diferentes administrações. Eventual insolvência seria tópica, não comprometendo o sistema e, além disso, empresas pequenas não seriam cobiçadas na distribuição de cargos entre os partidos que formam a base aliada do governo porque não teriam orçamentos gigantes; b) deveria constar na lei instituidora o limite de cargos comissionados puros – 0,5% – em relação ao total de empregados para evitar a formação de cabide de empregos políticos destinados a acomodar cabos eleitorais que nada entendem de gestão empresarial e de saúde pública; c) a formação de fundo de previdência dos empregados deve ser feita com contribuição de um terço do empregador e dois terços dos empregados e o gestor do fundo deve ser eleito em assembleia dos quotistas por prazo breve, determinado, vedada a recondução; d) a lei instituidora deve preceituar que o Tesouro só cobrirá déficit da empresa pública de serviços hospitalares se houver lei autorizatória específica. Com isso, gestor imperito ou temerário terá as vísceras expostas diante do Parlamento.

As empresas públicas e sociedades de economia mista vicejaram como inço nos anos 60 até as privatizações da década de 90. As vantagens decorrentes da simplicidade e agilidade administrativa se perderam diante do mau uso que as levou a déficits expressivos que pesam até hoje sobre o Tesouro Nacional. Os empregados viviam o melhor dos dois mundos, somando as vantagens da iniciativa privada com a estabilidade do cargo público. A triste memória deve servir como guia para que os erros não se repitam.

Por fim, a iniciativa federal pode ser reproduzida nos estados, indo além dos hospitais universitários, visando à interiorização dos serviços de saúde de boa qualidade por meio de métodos de gestão mais adequados que a camisa de força dos cargos públicos e da cobiça política que os cerca.

Rosane Kolotelo Wendpap, professora de Direito Econômico da Universidade Tuiuti, é coordenadora da Escola Superior da Advocacia no Paraná.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]