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A partir deste mês, serão digitais todos os novos processos cíveis da Justiça Federal da 4ª Região (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). Somente será permitido o ajuizamento de ações pelo sistema eletrônico: nada de papel. Os recursos a ser encaminhados ao Tribunal Regional Federal seguirão o seu destino convertidos em arquivos digitais. Novidade – ou revolução – que não ficará apenas na Justiça Federal do Sul do país. Afinal, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já há algum tempo vem digitalizando os seus processos e, a partir de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) só processará causas digitais.

Foram banidos os originais em papel, as assinaturas em caneta tinteiro e as fotocópias. Em breve serão parte do passado, pois não será possível a propositura de processos físicos. Mas como será promovida a conversão digital? Para as novas causas, aos advogados caberá providenciar a transformação das peças físicas em arquivos compatíveis com os programas e computadores da Justiça. Apesar de serem programas acessíveis e de fácil operação, todos terão que se acostumar a folhear arquivos digitais e a conviver com racionalidade distinta daquela que existia desde o começo dos tempos processuais.

São nobres os objetivos dessa revolução: agilizar a prestação jurisdicional e diminuir os custos da justiça (despesas de custeio, de administração e de pessoal). O "e-proc", como assim é chamado, já existe desde 2004 nos juizados especiais federais e tem provado a sua eficiência. Processos que outrora durariam anos – ou décadas – têm solução em poucos meses. É significativo o incremento da efetividade na prestação jurisdicional – o que merece ser aplaudido.

Porém, nem tudo são flores. Se os juizados especiais passaram bem no teste digital, isso se deve em parte às características das causas que lá tramitam (ações relativamente simples, com poucos documentos). Novas exigências serão instaladas devido à alta complexidade de algumas das ações que tramitam na Justiça Federal comum, unidas ao volume e à qualidade dos documentos que as instruem. Com a licença pela comparação entre extremos, uma coisa é ajuizar ação em que se requer medicamentos, instruída com a receita médica e a carteira de identidade; outra é ajuizar ação de desapropriação instruída com mapas, processos administrativos e laudos de avaliação. Como digitalizar tais documentos e, mais do que isso, como torná-los legíveis? Pouco ou nada adiantará o "amontoamento" digital de peças (isso sem se falar no peso delas, a impedir a remessa pela internet). A legibilidade dos documentos é um dos fortes desafios a espreitar as novas causas digitais.

Outro tema – e aqui talvez o problema seja mais sério – diz respeito à publicidade dos processos. A Constituição brasileira é clara ao definir que todos os processos são públicos, exceção feita àqueles poucos que tramitam em segredo de justiça. Pois os processos digitais terão publicidade dividida: as partes e seus advogados deterão os códigos de acesso a todas as peças processuais; já os demais do povo só poderão conhecer as decisões judiciais. Claro que isso pode ser redarguido com a constatação de que os processos interessam às partes e a seus advogados, que terceiros podem peticionar e pedir cópias digitais etc. Mas o principal detalhe não está aí, pois efetivamente haverá processos públicos de difícil acesso. Todos os demais que porventura estejam interessados na causa – incluindo-se aí a imprensa e o Ministério Público – terão de peticionar e pedir a sua cópia digital (ao invés de comparecer no balcão e providenciar as fotocópias). Talvez essa preocupação configure antes um quadro mental paranoico, mas não parece adequada essa publicidade relativa ou condicionada: ou algo é público – e de acesso irrestrito e não-controlado a todos – ou não é. Esse tema exige maiores reflexões e certamente o uso dos novos processos possibilitará uma solução mais adequada.

Enfim, e como toda inovação, o "e-proc" experimentará a resistência dos antigos. Afinal, natural é o mundo que já existia quando nascemos – ou, no máximo, aquele que ajudamos a construir até os 30 anos. Depois disso, as novidades exigem esforços superlativos e tendem a ser rejeitadas por violar a zona de conforto que arduamente construímos. Mas a plena digitalização dos processos judiciais não é só inovadora – é mesmo uma revolução no modo de se viver o processo. Como toda revolução, ela corta o tempo em dois e instala um tempo presente de difícil percepção, a atualidade sem identidade própria, que se situa entre o passado e o futuro. Esse momento, que se espera seja breve, exigirá sim a especial dedicação e colaboração de todos os advogados, juízes, Ministério Público e servidores. Caso contrário, a agilização e a eficiência digitais demorarão a chegar. Todos devem, portanto, preparar-se para conviver com o novo processo digital.

Egon Bockmann Moreira, advogado, é doutor em Direito e leciona na Faculdade de Direito da UFPR.

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