Propósito de final de ano: não procure a felicidade

• 0

Dezembro mal começa e já sentimos aquele desejo de que o ano acabe logo. Os enfeites de Natal ocupam as vitrines e o assunto mais falado são as festividades. Tudo parece ser embalado por esse espírito natalino e de virada de ano. E mesmo que o único sentimento que tenha por essa época seja antipatia, pode confessar, o fim de ano também mexe com você.

Nem tem como evitar. Primeiramente temos o Natal. Sendo cristão ou não, é a festa do nascimento de Jesus, e ninguém fica imune ao ver um recém nascido. O maior dos ateus abre um sorriso ao ver a foto do novo filho da prima no Instagram. O mais ranzinza dos homens pode se derreter ao ver uma criança na fila do mercado. Esse simpatia involuntária que temos por crianças é elevada à décima potência no Natal. Parece que todo mundo está esperando um filho que irá nascer e não consegue esconder a alegria que carrega no peito. E como todo nascimento é cheio de esperança, você fica naturalmente mais otimista.

Uma semana depois temos o Ano Novo. Parece uma festa menos espiritual que o Natal, mas a virada do ano se tornou um momento de reflexão pessoal por excelência. Eu sei, todo mundo tende a festar até cair. Mas logo após a meia noite, não há quem não pare por uns minutos a repensar na vida: parece que por alguns instantes tudo fica em silêncio ao seu redor e você tenta se reconectar consigo mesmo. É o fechamento de um ciclo mundial que você acaba vivendo dentro de si mesmo.

É nesses momentos que um desejo acaba nos visitando e pode até se tornar um propósito para os próximos 365 dias: ser mais feliz!

Em um mundo que se tornou uma vitrine virtual, aparentar felicidade é um dever

Buscar a felicidade é quase uma condição diária do ser humano. Quase todo dia acordamos com esse objetivo em mente. Quem nunca escutou frases como a felicidade está ao alcance da suas mãos ou ser feliz é uma questão de escolha? Nossa frustração pode até ser um sintoma dessa busca, e a inveja nasce muitas vezes da busca por felicidade mal sucedida. E cada dia mais essa felicidade se torna mais imperativa: nunca foi tão grande o desejo de autorrealização. Percebo em consultório que o drama da atualidade está cada vez mas voltado para si mesmo. Em um mundo que se tornou uma vitrine virtual, aparentar felicidade é um dever.

Mas é errado querer ser mais feliz? De forma alguma! A felicidade é obviamente um objetivo nobre. Na sociedade cada vez mais plural e impessoal, essa busca – que num primeiro momento pode parecer egoísta – muitas vezes é o primeiro passo para realizar algo mais amplo, mais significativo e até criar um senso de identidade (adolescentes começam a maturação de seu ego por meio do gosto pessoal: o que eu gosto versus o que eu não gosto).

Porém, apesar de tudo isso, sinto informar: procurar a felicidade é inútil.

Não, meus caros, isso não é uma cilada retórica de uma psicanalista cético que não tem mais esperança na humanidade e acredita que a vida não tem sentido – até porque esse desgosto eu nunca dei pros meus pai. O que eu digo é apenas a mais pura e simples realidade e te garanto que você vai concordar comigo em breve. Explico.

Rodrigo Constantino: Cuidado com a busca pela felicidade (publicado em 28 de fevereiro de 2018)

Leia também: A felicidade são os outros (artigo de Ruth Whippman, publicado em 30 de outubro de 2017)

A felicidade, assim como muitos objetivos em nossa vida, é algo muito genérico. Buscá-la, portanto, pode ser conhecer pessoas novas, sair mais, gastar mais tempo com a família, passear mais nos finais de semana, viajar mais para a praia. E paradoxalmente, pode ser também emagrecer, gastar menos dinheiro, pensar antes de falar, se portar melhor com os pais, perdoar os amigos, não sofrer por besteira. Percebe que procurar a felicidade é algo tão amplo que consegue englobar tanto ações objetivamente prazerosas como ações complexas e desagradáveis? Ou vai me dizer que economizar dinheiro e emagrecer é algo que fazemos com um sorriso no rosto? Portanto, a nossa procura por felicidade deve ser reorganizada, pois é muito provável que no meio de janeiro você fique apenas com as atividade que te deixam feliz e adie para o ano que vem (ou 2021?) as ações que irão te custar esforço e dedicação.

Para não errar mais o passo, a única coisa que você precisa saber é que a felicidade é uma consequência. Isso mesmo: a felicidade é uma consequência, repita essa frase até ela ficar gravada em sua mente e nunca mais sair.

A procura pela felicidade é inútil pois ela nunca se deixa encontrar diretamente, é apenas pela realização de uma ação específica que podemos ser felizes. Porque a felicidade, diz Viktor Frankl, não pode ser perseguida; ela deve acontecer naturalmente e só tem lugar como efeito colateral de uma dedicação pessoal a uma causa maior. Buscar a felicidade é como aquele sujeito que quer fazer amigos e sai perguntando para todo mundo “você quer ser meu amigo?”. As chances desse sujeito espantar todo mundo é muito grande!

Opinião da Gazeta: O poder multiplicador do bem (editorial de 21 de maio de 2018)

Leia também: Por que a prosperidade cresceu, mas a felicidade, não (artigo de Jonathan Rauch, publicado em 26 de agosto de 2018)

Então, nesse ano novo, não seja um esquisitão que sai em busca da felicidade e a espanta a cada novo passo. Também evite ser aquele que acredita que ser feliz é apenas fazer coisas boas e agradáveis, deixando de lado as que exigem persistência e sacrifício. Pois, infelizmente, esses são dois caminhos diretos para a infelicidade.

Comece o ano pensando no que você pode fazer, por você e pelos outros, que seja um bem objetivo. Faça a sua parte. Melhore seus propósitos de fim de ano, deixe de lado os desejos genéricos e foque em metas práticas.

Não procure a felicidade, seja útil que ela virá ao seu encontro.