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O Congresso Nacional, a Esplanada dos Ministérios e a Catedral de Brasília.
O Congresso Nacional, a Esplanada dos Ministérios e a Catedral de Brasília.| Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Não espalharás notícias falsas, nem tomarás o partido do ímpio para dar um testemunho maléfico. Não seguirás a multidão para fazer o mal; nem aceitarás, num processo, o parecer da maioria, para te desviares da verdade.” (Ex 23, 1-2)

Mais de um ano após o início da pandemia de Covid-19, que já matou cerca de 3 milhões de pessoas (sendo pouco menos de 300 mil no Brasil), uma das coisas que têm me deixado mais atônito é o fato de muitos cristãos permanecerem seguindo abertamente uma postura negacionista, crendo e disseminando notícias falsas (fake news), contribuindo diretamente para a morte de milhares de pessoas. Outra coisa que me choca é a associação entre o negacionismo e uma cosmovisão “conservadora”.

Existe um discurso que tem se apresentado como conservador, mas que muito pouco ou nada tem a ver com o autêntico conservadorismo. Eu o chamaria de “pseudoconservadorismo”. Este discurso é uma “reação” violenta. Apresenta-se como “oposto a”, e não como “em defesa de”, tendo como base a reatividade, o irracionalismo e o apelo às emoções, especialmente ao medo, ao ressentimento e à raiva. Um tecido social fraturado torna-se um campo fértil para discursos de ódio, nos quais o outro, o diferente, é visto como ameaça. O diálogo torna-se impossível e o campo está aberto para a destruição do outro, em nível discursivo e até mesmo em nível material.

Por que muitos cristãos se identificam com este discurso, o sustentam e o apoiam? Uma chave de leitura é a “tentação de hegemonia”, uma “idolatria do poder”, que, em nível mais profundo, reflete a perda da fé. Porque a fé é o reconhecimento, enquanto cristãos, de uma Presença presente em nós e entre nós. Um cristão que dá a fé como algo óbvio e parte imediatamente para um ativismo acaba por deixar de colocar a sua confiança em Cristo para colocar a sua confiança numa “superestrutura cristã”.

Os primeiros cristãos viveram numa sociedade pagã, politeísta e absolutamente hostil ao anúncio e à vida cristã. Não podendo se apoiar numa hegemonia, o seu único ponto de apoio era o reconhecimento da Presença de Jesus neles e entre eles. No atual contexto de crescente secularização e descristianização da sociedade, a tentação da hegemonia e a idolatria do poder são muito fortes, porém ao mesmo tempo podem ser uma luta quixotesca contra moinhos de vento.

Recuperar a fé é a única forma de, como cristãos, vencermos a tentação de hegemonia. Para muitos homens e mulheres contemporâneos, embora permanecendo formal e nominalmente cristãos, a vitória de Cristo sobre a morte e sobre o mal não incide na realidade concreta de tal forma que possam olhar toda a realidade sem medo. Opera-se, na autoconsciência desses cristãos, uma separação entre o crer e o saber. Dessa forma, é compreensível a necessidade de buscar e de confiar num “homem forte” (Übermensch) que os defenda de inimigos.

Por fim, cabe aqui uma palavra sobre o conservadorismo. Por conservadorismo devemos entender mais do que uma ideologia ou um sistema de pensamento, uma visão de mundo (Weltanschauung) que parte de uma crítica radical ao caráter destruidor do processo revolucionário. O conservadorismo advoga que, na história da humanidade, as mudanças aconteceram não por meio de grandes eventos disruptivos, mas sim de mudanças incrementais. Assim, cada geração vai incrementando, com a sua experiência, o imenso tesouro acumulado pela humanidade ao longo de sua história. Não faz parte do conservadorismo a defesa do imobilismo e da estagnação completa, não advoga a ausência total de mudanças ou mesmo o retorno a um passado mítico e idealizado.

Dimitri Martins é mestre em Administração e especialista em Gestão Pública.

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