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| Foto: João Borges/PUCPR

Há 60 anos, num dia 14, nascia das águas de março a Universidade Católica do Paraná (UCP), promessa de um marco na educação do Paraná. Hoje, após seis décadas, um marco na educação do Brasil. Em 1959, portanto, era dado o primeiro passo de uma instituição cuja perenidade e progresso eram promessas asseguradas por lideranças que, à época, fizeram dessa obra a missão da sua vida. Tenho certeza de que, se conosco ainda estivessem, certamente diriam: “missão cumprida”.

Fruto da visão de dom Manuel da Silveira D’Elboux, então arcebispo metropolitano de Curitiba, homem que deixou importantes marcas da sua passagem por Curitiba (de 1950 a 1970), em especial na área da educação, a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) certamente foi a grande obra que legou para a posteridade. Foi seu grande sonho desde o primeiro dia como arcebispo de Curitiba, pois, apenas 23 dias após aqui desembarcar, nascia a Sociedade Paranaense de Cultura (SPC), com a finalidade expressa de fundar uma universidade católica.

Arquitetar essa obra, transformar o sonho em realidade, porém, exigiu enorme paciência, capacidade de convencimento e diálogo e, acima de tudo, uma liderança sem par. Virtudes que foram fundamentais para convencer ordens e congregações religiosas masculinas e femininas, além de várias associações leigas católicas, para que abrissem mão das suas instituições de ensino superior já existentes para reuni-las em uma única organização da qual poderia resultar a futura UCP. Infelizmente, apesar da cooperação que se verificou na demanda do arcebispo, a natureza das instituições católicas já existentes em Curitiba não preenchia as condições legais para a constituição de uma universidade: Faculdade de Filosofia, condição obrigatória, com pelo menos 12 cursos, e duas no mínimo a serem definidas entre Direito, Medicina e Engenharia.

Ao lado da Faculdade Católica de Filosofia, Ciências e Letras, que já existia desde 1950, fundada e dirigida pelo Instituto dos Irmãos Maristas, dom Manuel optou pela criação dos cursos de Medicina e Direito. O desafio não era fácil. Visionário, empreendedor e apoiado por lideranças locais das duas áreas – como José Loureiro Fernandes, grande educador e intelectual; Carlos Franco Ferreira da Costa, Mário Braga de Abreu e Metry Bacila, entre outros, no campo da Medicina; e Antonio Franco Ferreira da Costa e os padres jesuítas, na pessoa do padre José Soder, no campo do Direito –, dom Manoel superou todos os empecilhos e viu nascer as duas faculdades já no ano de 1956: em 2 de julho, a Faculdade Católica de Direito; em 11 de agosto, a de Medicina, denominada Faculdade de Ciências Médicas. Com isso, o arcebispo viu o caminho pavimentado para consolidar e tornar realidade o seu sonho: uma Universidade Católica do Paraná.

Apesar de uma reitoria única, as instituições que compunham a universidade mantinham a sua autonomia

Reunidas agora sob única orientação, embora não sob única administração, as instituições católicas de ensino superior de Curitiba decidem, sob a liderança de dom Manuel, em 14 de março de 1959, criar a UCP, cuja ata foi subscrita por importantes personalidades da época, como Pedro Calmon, Moysés Lupion, Bento Munhoz da Rocha Neto e José Loureiro Fernandes. Dom Jerônimo Mazzarotto foi investido como primeiro reitor da nova instituição, função que exerceu por 13 anos.

No dia 5 de fevereiro de 1970, porém, dom Manuel nos deixava, de maneira repentina. Como acompanhara de perto todo o processo que resultara na UCP, dom Pedro Fedalto, designado seu sucessor, estava ciente dos eventuais riscos e sequelas que a condição legal da instituição representava. Apesar de uma reitoria única, as instituições que compunham a universidade mantinham a sua autonomia, cada uma com sua mantenedora, regimento interno, contabilidade, salários e vestibular próprios. Porém, decreto federal, emanado à época, fixava a exigência de uma mantenedora única quando se tratasse de universidade.

Por isso, ciente dessa realidade, dom Pedro, utilizando toda a sua capacidade diplomática e administrativa, buscou em 1971 os Irmãos Maristas para assumirem a universidade, na condição de sua mantenedora única. Decisão que exigiria uma alteração radical de um momento para outro em uma estrutura que funcionava havia 13 anos.

Em 22 de dezembro de 1973, a congregação marista assume a administração e direção da universidade como sua única mantenedora. Certamente não foi uma tarefa fácil. Afinal, tratava-se de uma entidade formada por diferentes instituições, cada uma com seu próprio carisma. Torná-las uma única instituição, uma grande obra da Igreja, hoje pautada pela excelência e qualidade, certamente foi uma obra extraordinária.

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Em janeiro de 1974, o professor Oswaldo Arns foi nomeado primeiro reitor da UCP na sua nova configuração, e permaneceu à frente da instituição por 12 anos, sendo responsável pela construção de boa parte do câmpus, com a respectiva infraestrutura acadêmica e administrativa. Na sua gestão a universidade recebeu o título de Pontifícia, concedido pela Santa Sé em 6 de agosto de 1985, passando a ser a Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

Arns foi substituído pelo professor Euro Brandão, que assumiu a reitoria em 1986 e cuja gestão também durou 12 anos, consolidando a agora PUCPR tanto em termos legais como físicos e acadêmicos, com o câmpus assumindo a característica atual. Em 1998 assumiu a reitoria o professor doutor Clemente Ivo Juliatto, primeiro irmão marista a dirigir a universidade. Altamente qualificado para o cargo, profundo conhecedor da universidade como ente transformador da sociedade, o irmão Clemente, nos seus 16 anos de gestão, investiu tanto na continuidade da infraestrutura física e acadêmica, podendo-se citar a biblioteca, que se destaca no câmpus como uma verdadeira obra de arte, como na infraestrutura representada pela formação de talentos. Na sua gestão a universidade passou de um porcentual de menos de 4% de doutores para 33%, o que coloca a PUCPR na trilha da pesquisa e da pós-graduação stricto sensu, além de destacá-la em rankings nacionais e internacionais em termos de ensino, ciência e tecnologia.

Ao citarmos os reitores, é preciso reconhecer todos que nos antecederam nesses 60 anos de história – irmãos, professores, gestores e demais colaboradores, que souberam vencer com serenidade e competência os percalços que os desafiaram, que deixaram a sua marca nesse período, construindo um belíssimo câmpus, com toda a infraestrutura física, laboratorial e acadêmica sobre a qual repousa hoje uma instituição sólida, repleta de talentos em todas as áreas, respeitada pela sociedade, reconhecida nacional e internacionalmente. Instituição que jamais se desviou da sua missão assumida desde a sua fundação.

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É momento também de citar todos aqueles que hoje são o presente, que hoje levam adiante a caminhada aberta pelos que passaram, enfrentando os desafios dos tempos atuais. Trata-se de um contingente de pessoas que trazem em si a herança do futuro, que não temem desafios cuja magnitude exige inovações disruptivas, exponenciais.

Estas são condições para adequarmos a nossa caminhada às exigências atuais, com um processo de aprendizagem moderno, visando uma formação integral, em que a formação profissional caminha pari passu com uma formação cidadã, buscando alinhar a PUCPR às demandas e desafios do século 21, quebrando, se necessário, paradigmas superados.

Para colocarmos a universidade alinhada às exigências dos dias atuais e futuros, é fundamental reconhecer as grandes mudanças de caráter tecnológico que ora acontecem e evoluem a uma velocidade jamais vista na história da humanidade, com mudanças disruptivas, avassaladoras, muitas vezes inacreditáveis que estão a bater na porta da indústria, do governo, dos poderes que legislam, das universidades etc.

A assombrosa profusão de novidades tecnológicas que já aconteceram ou estão previstas para um horizonte de cinco a dez anos, como resultado da Quarta Revolução Industrial em curso, apontam para mudanças de paradigma em praticamente todas as áreas, com tudo o que isso significa. Apenas para citar alguns: a inteligência artificial, robótica, a Internet das Coisas, veículos autônomos, impressão em 3D, nano e biotecnologia, plataformas que fazem tremer estruturas seculares acomodadas, como aluguel de carros, viagens, carros compartilhados, entre tantas outras.

Com a tecnologia em rápida evolução, tudo o que a pessoa quiser saber, conhecer ou aprender está disponível

São mudanças que acontecem em uma velocidade espantosa, com impacto sistêmico e uma amplitude e profundidade sem igual até hoje, que prometem afetar a vida de todos nós. Mudanças drásticas no emprego, nas políticas de saúde e aposentadoria, consumo, produção e educação. Tudo isso passa a exigir um profissional com muita maturidade, discernimento, senso crítico, muita autonomia, comportamento ético e cooperativo, pois, nessa nova realidade, ele vai ter de se adequar permanentemente, praticamente renovar seu diploma a cada período e, por isso mesmo, jamais sair da universidade. Estes são desafios para todos nós. Universidade, sociedade, famílias, governo, terceiro setor. Daí a enorme responsabilidade no processo de formação no âmbito da universidade.

Para entender o quão exponenciais estão as mudanças em curso, menciono Ray Kurzweil, co-fundador da Universidade Singularity: “A mudança tecnológica é exponencial, contrariamente à ‘visão intuitiva linear’ do senso comum. Portanto, não experimentaremos apenas 100 anos de progresso no século 21 – experimentaremos 20 mil anos de progresso”.

Como os atores que compõem o espectro que pensa o país estão encarando isso? E o nosso processo educativo? Estamos pensando em adequá-lo para preparar os cidadãos para essa nova realidade? Ou há algo nos impedindo de ver com clareza essa realidade?

Vejamos a realidade a seguir: com a tecnologia em rápida evolução, tudo o que a pessoa quiser saber, conhecer ou aprender está disponível. Essa realidade nos obriga a ressignificar a função da universidade: em vez de somente transmitir conhecimento, caberá a ela ensinar a raciocinar, a dominar esse conhecimento, a sistematizá-lo e colocá-lo em uso na prática. Ou seja: a mera transmissão do conteúdo deixou de ter razão de ser. Eis o grande desafio da universidade não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Esta é a grande preocupação dos países desenvolvidos, um dos desafios mais urgentes do mundo contemporâneo.

E a universidade, responsável pela formação dos profissionais para esse novo mundo, como fica? Exatamente esta foi a pergunta que a PUCPR se colocou há mais de quatro anos. Qual deveria ser a nossa postura? A convicção que tínhamos é de que, se não adotássemos mudanças urgentes, estaríamos formando profissionais para um mundo que não existe mais, para um mundo que se esgotou com o século 20. Acomodar-se nesse momento de mudanças seria manter a PUCPR à margem dessa nova realidade mundial, condená-la ao atraso e à estagnação.

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Duas grandes mudanças foram, então, adotadas. Em primeiro lugar, mudou-se a sistemática de aprendizagem, mediante a adoção das metodologias ativas no processo de aprendizagem, com o estudante assumindo o protagonismo na sua formação, em ambientes planejados para tanto, com o docente liderando o processo, cuja implantação teve início em 2015, alcançando hoje toda a universidade.

A outra mudança ainda em implantação, mais disruptiva que a primeira, foi a formação por competências, que busca tornar os estudantes da PUCPR aptos a serem aprendizes autônomos por toda a vida, pela mobilização de saberes de forma integrada para poder resolver problemas que hoje ainda não são conhecidos. Saberes que devem ser entendidos principalmente como capacidade de realização, com domínio de conhecimento para realizar e não apenas para memorizar. Mediante o que foi adotado para fazer frente às mudanças, surgiu uma nova universidade, altamente complexa, com novas exigências de formação, novos desafios no médio e longo prazo, inserida num mundo globalizado.

Internacionalização, inovação, interdisciplinaridade, empreendedorismo, novos paradigmas de formação, onde o aluno vai construindo sua formação de maneira personalizada conforme a sua capacidade e vocação, o que representa o contraponto a um ensino conteudista, passivo, cujas atividades universitárias tornam-se enfadonhas e burocráticas e, na maior parte dos casos, sem grande utilidade, são as novas exigências da universidade no seu processo de formação.

Somente assim teremos condições de adequar a nossa caminhada às exigências atuais, com um processo de aprendizagem moderno, visando uma formação integral, onde a formação profissional caminha pari passu com uma formação cidadã, buscando alinhar a universidade às demandas e desafios do século 21, quebrando, se necessário, paradigmas superados. Eis os desafios para os próximos 60 anos.

Waldemiro Gremski é reitor da Pontíficia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)
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