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De acordo com o superintendente da Polícia Federal no Paraná, Luciano Flores de Lima, o contrabando, principalmente de cigarros, permite mais lucro às facções criminosas do que as drogas. | MARCELO ELIASMARCELO ELIAS
Cigarros contrabandeados no Paraná. Imagem ilustrativa.| Foto: Arquivo/Gazeta do Povo

Quando falamos sobre o mercado ilegal, podemos pensar: o que temos a ver com isso? Ao nos aprofundarmos no tema, descobrimos que o problema é mais profundo do que parece e que tem impacto direto na vida de toda a sociedade, estando presente no nosso dia a dia tanto em relação ao aumento da violência quanto nos preços dos produtos nas prateleiras e nos combustíveis, por exemplo. O efeito vai além de redução da arrecadação de impostos para os estados, transitando nas esferas sociais, econômicas, de segurança, da saúde pública e por aí vai.

Somente no ano passado, quando fomos impactados pela pandemia da Covid-19, o Brasil movimentou R$ 287,9 bilhões no mercado ilegal, segundo o Fórum Nacional Contra a Pirataria (FNCP); valor que, apesar ser expressivo, apresentou uma redução se comparado a 2019, que registrou R$ 291,4 bilhões. Diante desses números, estima-se que o país deixou de arrecadar cerca de R$ 90 bilhões em impostos que poderiam ser revertidos em educação, saúde e segurança, entre outros benefícios para a sociedade.

A baixa redução de 1,2% de movimentação no mercado ilegal entre os anos teve ligação direta com as ações de combate ao vírus: barreiras sanitárias em fronteiras apreenderam materiais contrabandeados, houve baixa circulação de pessoas nas ruas e a restrição de diversão adulta noturna impactou diretamente o consumo de cigarros ilegais e de bebidas alcoólicas falsificadas ou contrabandeadas.

Mas qual a origem e os atos ilícitos que alimentam esses negócios? Contrabando, descaminho e roubos de cargas, que são crimes de baixa repercussão e julgados como menor potencial ofensivo e com penas brandas, o que, de certa forma, estimulam o “arriscar” por parte de cidadãos de valores deturpados ou em fragilidade financeira.

E como esses produtos chegam aos pontos de venda, como os óculos vendidos por ambulantes na praia, assim como maquiagens, artigos de perfumaria, cosméticos, brinquedos, materiais esportivos e eletroeletrônicos vendidos em banquinhas de ruas, conhecidas como camelôs? Isso sem falar da televisão por assinatura pirata. O que a sociedade sempre julgou como algo inofensivo foi a porta descoberta para enriquecimento e fortalecimento do crime organizado, que evoluiu enquanto nosso Código Penal ficou estagnado. Havendo mercado consumidor desses produtos e serviços, o crime estará presente. A sociedade tem ampla responsabilidade neste sentido e precisa se conscientizar dos seus deveres éticos e morais para que esse cenário seja controlado.

Nossa cultura vive uma notória inversão de valores. Os agentes fiscalizadores passam a ser os vilões quando cumprem seus deveres, enquanto a sociedade tende a se sensibilizar pelo lado do “trabalhador informal”, colocando-o como vítima sem perceber os malefícios desta postura, que desconhece o caminho percorrido desses produtos, muitas vezes à custa de sangue. Quando isso ocorre, passamos a ser cúmplices.

Um outro problema nada incomum, infelizmente, é a ausência de fiscalização, seja por falta de braços dos órgãos responsáveis ou pela omissão por não querer correr riscos ou por interesses escusos. Em ambos os casos, quem se beneficia é o crime organizado, que expande seus territórios e nichos de mercado em velocidade surpreendente.

O aumento do desemprego também é outro impacto, pois, em decorrência das facilidades listadas aqui com concorrências desleais, empresas fecham postos de trabalho e reduzem linhas de produção. Somente a indústria do tabaco no Brasil, em 2019, deixou de gerar 173 mil empregos diretos e indiretos no cultivo, transporte, armazenamento e distribuição.

É preciso esclarecer que não há julgamento de valores sobre pessoas ou instituições. Porém, é necessário demonstrar que, por meio da própria sociedade e de seus comportamentos indevidos da cultura do benefício próprio – na maioria dos casos, por falta de informação; em outros, por conivência –, o crime organizado se fortalece e está deixando de ser alimentado somente por venda de drogas. Os delitos estão se reinventando e os mecanismos de combate precisam evoluir. Mas a sociedade precisa entender o seu papel dentro deste processo. A ética é um exercício diário que não pode deixar de ser praticado para atender a interesses pessoais.

Eduardo Masulo é consultor sênior na empresa de consultoria ICTS Security.

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