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A quarta-feira, 3 de dezembro de 2025, ficará para sempre marcada na história do Brasil como o dia infame do golpe constitucional que solapou de vez o que restava da democracia brasileira. A decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que tirou do Senado Federal a prerrogativa de fiscalização e controle do Poder Judiciário cristalizada na Constituição Federal, não só humilhou a Câmara Alta do Congresso Nacional. Ela também demonstrou para os céticos que vivemos, no Brasil, uma grave e paulatina usurpação de poder, que manda às favas o preceito dos três poderes independentes e harmônicos determinado pela Assembleia Constituinte.
Para muita gente – entre os quais eu me incluo – o que vimos acontecer em 3 de dezembro não foi nenhuma surpresa. Afinal, já em 2023 eu denunciava a usurpação de prerrogativas do Poder Legislativo por parte do Poder Judiciário. Por causa disso, mesmo sem ter cometido nenhum crime, fui o primeiro senador a ter as prerrogativas constitucionais violadas à luz do dia, à vista de toda a imprensa e de todos os membros do Senado Federal, sem que houvesse nenhuma resistência ou manifestação de repúdio por parte desta Casa. O dia 15 de junho de 2023, em que o STF ordenou que o meu gabinete, dentro da sede do Senado Federal, fosse invadido sem qualquer embasamento fático ou legal, foi apenas a primeira humilhação que seria imposta ao Poder Legislativo pelo Poder Judiciário.
O impeachment de ministros do STF precisa deixar de ser um tabu, como já deixou de ser o impeachment de presidentes da República que cometem crimes de responsabilidade ou a cassação de parlamentares que violam o decoro de sua função
Isso tudo sem responder nenhum processo e estando em pleno exercício do meu mandato. A perseguição contra mim foi escalando ao longo de dois extenuantes anos até chegar ao ponto de eu colecionar, impostas contra mim, absolutamente todas as medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal. Sem ser réu em nenhum processo criminal – nunca é demais repetir isso – tive minhas redes sociais bloqueadas, meu salário e até a verba de gabinete retidos, uma multa escorchante de R$ 50 milhões aplicada e, por fim, até uma tornozeleira eletrônica me foi colocada. A tortura psicológica de ter a minha liberdade física, material, financeira e de expressão tolhida sem qualquer fundamento legal foi avassaladora e afetou grandemente a minha saúde física e mental.
À época, avisei que não tardaria o dia em que eu não seria mais o único a ter prerrogativas violadas. Esse dia chegou dois anos e meio depois, nesta fatídica quarta-feira. É com um misto de estranheza e tristeza que vejo meus pares só agora dando-se conta de que o Senado Federal foi posto novamente de joelhos por uma canetada de um único ministro da Corte Suprema.
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Também só agora parecem começar a querer sair da esfera da mera retórica inflamada para, finalmente, esboçar uma reação no campo da ação efetiva. Afinal, a decisão do STF teve o mal disfarçado intuito de empastelar o movimento da direita para eleger uma maioria de senadores que viabilize a instauração, já há muito tardia, de um processo de impeachment que ponha freios aos abusos e arbitrariedades dos últimos tempos.
O que estamos vendo no cenário político atual é um Senado Federal emparedado, para o qual só restam duas alternativas: ou se submeter de vez, acovardando-se ao assédio do Supremo Tribunal Federal, ou lançar mão de suas prerrogativas inscritas na Constituição Federal para reagir e colocar, de uma vez por todas, as coisas em seus devidos lugares.
O impeachment de ministros do STF precisa deixar de ser um tabu, como já deixou de ser o impeachment de presidentes da República que cometem crimes de responsabilidade ou a cassação de parlamentares que violam o decoro de sua função. Já há 41 assinaturas de apoiamento de senadores para movermos o primeiro processo de impedimento de um ministro do STF, mas até hoje não se fez nada. O Brasil pergunta: até quando?
Marcos Do Val é senador da República pelo Espírito Santo.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



