• Carregando...

Como sempre acontece, o que não está faltando é uma avalanche de interpretações sobre o resultado da eleição de 1.º de outubro. Não resisto a também abrir minha torneira. A grande faxina: aquela que eu prognosticara há alguns meses neste mesmo espaço não se concretizou e teremos de volta os mesmos farsantes do mensalão e dos sanguessugas para "enobrecer" o parlamento com sua conduta. Mas a população mostrou que a farsa também tem um limite e mandou Ângela Guadagnin dançar em casa, além de revogar, pelo voto popular, a esperteza de José Borba que renunciou ao mandato para não ser cassado e poder voltar ao Congresso. Teve menos de oito mil votos. Em compensação, Paulo Maluf se declara inocentado pelas urnas montado em uma montanha de votos. Dr. Maluf: o senhor está cansado de saber que urnas não inocentam ou condenam ninguém, tarefa reservada nas sociedades minimamente civilizadas à Justiça. Esta certamente verá a documentação sobre seus investimentos com menos complacência e simpatia do que a multidão de trouxas paulistanos e paulistas que parecem ter uma inexcedível paciência com os governantes que utilizam o dinheiro público de maneira – digamos – liberal e heterodoxa seguindo o exemplo do inesquecível (e agora não mais inexcedível) Adhemar de Barros, aquele do "rouba mas faz".

As oligarquias: balançaram mas não caíram, vide Sarney e alguns estados nordestinos embora o paradigma da oligarquia brasileira, o "carlismo" baiano, tenha sido varrido do mapa. Não era sem tempo.

O voto de deboche: milhares de eleitores demonstraram seu primarismo político debochando do processo eleitoral: foi assim com o rinoceronte Cacareco e o Macaco Tião no passado. Agora os paulistas mandaram Clodovil Hernandez para o Congresso. Quando perguntado o que vai fazer lá foi honesto: deu um sorriso, piscou os olhos e não disse nada. O silêncio nunca fez mal a ninguém pois cria, pelo menos, a ilusão de que existe um segredo, uma surpresa no ar. Infelizmente não existe surpresa alguma e Clodovil simplesmente desfrutará por quatro anos das benesses do poder.

O susto: depois de ostentar uma blindagem aparentemente impenetrável, o presidente Lula acabou no segundo turno, agora com um discurso moralista de que quer a punição exemplar dos companheiros que se envolveram com o dossiê e outras malfeitorias. Duas simplificações grosseiras no discurso oficial: primeiro que, se não fosse a imprensa e o Ministério Público, a população não teria sabido das seguidas trapalhadas dos "companheiros" e se não fossem os interesses contrariados de Roberto Jefferson, não teria sabido de Delúbio, de Marcos Valério e de mensalão. Portanto, a suposta ação moralizadora do governo tem sido, invariavelmente, uma atitude de defesa, de controle de danos depois que os escândalos estão nas ruas. Segundo, dizer que o caso do dossiê não o ajudaria em nada, uma vez que a eleição estava ganha não trata da essência da questão. O que interessa não é saber o que sua candidatura ganharia e sim de onde vieram os um milhão e setecentos mil reais que até agora parecem ser a versão profana do maná divino com que Deus alimentou os hebreus durante o Êxodo. Tal como eles que se perguntavam "o que é isso?", também ninguém é capaz de explicar "de onde veio isso?". A divisão: outro dia fui questionado por um aluno sobre o que tem sido dito e escrito (inclusive por mim) sobre a influência da gigantesca máquina clientelista que foi montada no país nos últimos anos. Segundo ele, há vários sucessos petistas na condução da política econômica, sendo injusto imaginar que teria sido o assistencialismo que levou a população a apoiar o governo de Lula. Concordo com ele em que, na ótica do controle da inflação e da recomposição das contas externas, o governo Lula teve o sucesso que Fernando Henrique Cardoso gostaria de ter tido embora que no caso da política de juros e da carga fiscal esteja sendo tão ou mais equivocado e predatório do que o governo anterior. No entanto, o mapa eleitoral não engana: o Brasil foi dividido pelas urnas em duas partes: o Sudeste e o Sul, que constituem a parte moderna do país, não se mostraram impressionados com os sucessos econômicos e cambiais do governo petista. Já o Brasil dos grotões e do neocoronelato das bolsas-auxílios sufragou em massa o projeto lulista.

A constatação melancólica: menos de três por cento dos eleitores brasileiros se entusiasmaram com o projeto educacional de Cristovam Buarque e, ao contrário, ainda o ridicularizaram como um "samba de uma nota só". Talvez isso explique todos os itens anteriores.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do mestrado em Organizações e Desenvolvimento da FAE e membro da Academia Paranaense de Letras.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]