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Le Brésil n’est pas un pays serieux, "o Brasil não é um país sério": popularmente atribuída a Charles de Gaulle, a afirmação posteriormente desmentida pela história clama por um desmentido do desmentido. Não pode ser sério um país que nos brinda dia a dia com aberrações de toda forma, seja no campo político, organizacional, administrativo, público ou em qualquer outro segmento da vida de uma nação.

Não pode ser sério um país que se aventura a realizar uma Copa do Mundo quando na periferia das modernas arenas – construídas a peso de ouro e do suor de várias gerações – sobrevive miseravelmente grande parcela da população, sem estudo, comida, saúde, sem nada. Sem nem sequer compreender o sonho que movimenta um mundial.

Não pode ser sério um país que deixa morrer seus cidadãos nas portas dos hospitais por falta de atendimento básico, que deixa pessoas à própria sorte perecerem nos rincões dessa terra por falta do mínimo de estrutura para uma vida digna. Em contrapartida, investe milhões de dólares na modernização de um porto modelo em outro país – coisa, aliás, que não temos por aqui.

Não pode ser sério um país que edita diariamente uma gama enorme de novas leis e regras tributárias, alimentando com força essa Torre de Babel que é a nossa legislação. Ela se torna cada vez mais indecifrável, mesmo aos olhos dos mais atentos especialistas como nós, profissionais da contabilidade. É impossível ter absoluta convicção sobre o cumprimento absoluto da legislação por empresas de qualquer porte, dada a quantidade de obrigações que recaem sobre elas. Isso é coisa de um país sério?

Não pode ser sério um país em que o empresário passa a ter mais medo da burocracia e de seus tentáculos malditos que do próprio insucesso de seu empreendimento. Onde está a seriedade de um país em que os órgãos públicos, com raras exceções, abocanham gordas fatias do dinheiro do povo, prestam serviços abaixo da crítica, desqualificados, deixando ao Deus-dará todo tipo de contribuinte, a quem só resta calcular prejuízos?

Não pode ser sério um país que arrecada mais e mais com uma bateria de softwares que só prometem agilizar o que os burocratas costumam emperrar. Tudo em nome da arrecadação fiscal, no frigir dos ovos, para que, com os cofres cheios, nos atiremos em aventuras de gente rica: copas do mundo, olimpíadas e outros "investimentos" que beiram a insanidade.

O Brasil não precisa de mais leis, regras e ordenamentos, mas sim de mais seriedade. Não precisa da Copa do Mundo, mas de fazer a lição de casa e garantir a seus filhos o mínimo de dignidade fora das arenas.

O Brasil não precisa de Olimpíada. Precisa é ganhar a corrida contra a pobreza, a ignorância, a corrupção, a burocracia, os desmandos, o mau uso do dinheiro público. Não precisa arrecadar mais, mas sim saber investir corretamente a riqueza que provém do trabalho de seu povo.

O Brasil não precisa de estádios bilionários. Carece mesmo é de estradas, hospitais qualificados, creches, policiamento intensivo, penitenciárias, escolas, moradias, austeridade com a coisa pública, transparência e paz. Não precisa de mais políticos, mas de gente séria, comprometida com o povo, sensível às necessidades da população, inteligente e honesta.

Não pode ser sério um país que não vê no seu povo o verdadeiro e único motivo da sua existência, que ao seu povo relega um patamar inferior. Vivemos um tempo no qual presidiários controlam prisões, bandidos promovem aberrações impublicáveis e desafiam autoridades ao seu bel prazer. Estas, acuadas, economizam as parcas munições e viaturas porque não há dinheiro para mais, e se juntam a nós para assistir pela tevê à inauguração de mais uma obra da Copa, com direito a pontapé inicial de salto alto!

Vivemos um tempo de tributos em alta, contribuintes em baixa. Um tempo em que a confusão tributária nada a braçadas e o empreendedor afunda como uma pedra. Vivemos a insegurança plena, literalmente atrás das grades de nossas casas, só saindo para trabalhar, ganhar algum dinheiro para comer, pagar impostos e, quem sabe, comprar um celular. Enquanto isso, sem trabalhar, os bandidos comem, não pagam impostos e têm celular! Não tem algo de errado nisso? Mas ainda tem coisa pior: os bandidos de gravata, que nem presos estão!

O Brasil não é um país sério. Se Charles de Gaulle tivesse de fato dito isso, cá entre nós, estaria coberto de razão! Não se trata de ser contra a Copa do Mundo, mas contra a farra com o dinheiro público para realizá-la. Que não se imagine que não sonho em ver meu país realizando uma Olimpíada: sonho, sim! Mas sonho primeiro com nosso povo tendo o mínimo de dignidade em seu dia a dia.

Que não se tenha como certo que meu pensamento é retrógrado ou pequeno, e que eu ache que não temos condições de investir como gente rica. Apenas penso que, enquanto não formos ricos em todos os sentidos, no mínimo por prudência não devíamos nos enveredar nessas aventuras. Nosso país precisa ser administrado e conduzido para o bem do povo. Enquanto isso não acontece, só nos resta dizer "viva De Gaulle"!

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