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Jorge Seif

Quem se beneficia com a concorrência no transporte rodoviário? O consumidor!

O transporte rodoviário regular de passageiros no Brasil é regulado por dois modelos distintos: o interestadual e o intermunicipal. (Foto: Mike Kotsch/Unsplash )

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O transporte rodoviário de passageiros é um serviço essencial no Brasil, levando milhões de pessoas de um canto a outro do país todos os dias. Mas o que garante que esse serviço seja acessível, eficiente e de qualidade? A resposta está em uma palavra simples, mas poderosa: concorrência. Quando diferentes empresas disputam a preferência dos passageiros, os verdadeiros beneficiários são os usuários, que passam a contar com preços mais justos, serviços melhores e maior variedade de rotas.

Atualmente, o transporte rodoviário regular de passageiros no Brasil é regulado por dois modelos distintos: o interestadual e o intermunicipal. O transporte interestadual — que cruza as fronteiras dos estados — é regulado em âmbito federal pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Já o transporte intermunicipal, realizado dentro dos estados, é regulado pelos governos estaduais ou, quando houver, por agências reguladoras estaduais, como ocorre em São Paulo, com a Agência de Transporte do Estado de São Paulo (ARTESP).

Quando há competição real, todos ganham: as empresas se tornam mais eficientes, o mercado se diversifica e, o mais importante, os cidadãos têm acesso a serviços de qualidade, acessíveis e transparentes

Apesar das diferenças regulatórias, tanto o transporte interestadual quanto o intermunicipal apresentam elevada concentração de mercado, com a maior parte das rotas operadas por poucos grupos empresariais. Mesmo no ambiente de transporte interestadual, que não necessita de licitação, as principais rotas tendem a estar sob responsabilidade de um número limitado de operadores.

No modelo intermunicipal, essa concentração costuma ser ainda mais elevada, pois os contratos garantem exclusividade por linha ou região e são outorgados por tempo fixo, por meio de licitação. Esse contexto tem gerado debates importantes sobre a necessidade de modernizar a regulação, ampliar a concorrência e assegurar aos passageiros mais opções, melhores serviços e preços acessíveis. No entanto, embora a concentração na operação de rotas seja frequentemente discutida, um aspecto igualmente relevante recebe menos atenção: a venda das passagens. Na prática, a entrada de novos operadores e a flexibilização do marco regulatório do setor (Resolução ANTT nº 6.033, de 2023), que contradiz a abertura de mercado promovida pela Lei nº 14.298, de 2022 e decisões do STF (ADI 5549 e 6270), são tão importantes para ampliar a oferta quanto a promoção da competitividade e o combate à concentração no mercado de canais de venda – um desafio persistente. Por isso, defender a abertura em todas as frentes é essencial para estimular a concorrência e garantir benefícios reais aos consumidores.

Em diversos casos, os mesmos grupos empresariais que atuam na operação das rotas também dominam os sistemas de intermediação eletrônica entre as empresas e as plataformas de venda de passagens. Não se trata de uma irregularidade, mas sim de uma dinâmica que reduz a variedade e a competição no setor. Além disso, esses grupos costumam controlar canais próprios de comercialização, como sites e bilheterias físicas, consolidando uma estrutura verticalizada. Como consequência, a visibilidade e a competitividade de outros operadores ficam prejudicadas nos pontos de venda, limitando as opções disponíveis aos passageiros.

Nesse sentido, vale ressaltar que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) concluiu pela existência de preocupações concorrenciais decorrentes da verticalização efetivada entre um grande grupo de empresas de transporte rodoviário e uma plataforma de venda online de passagens. Conforme a autarquia, há possibilidade de fechamento de mercado, por meio da elevação artificial das barreiras à entrada e ao desenvolvimento de serviços de intermediação eletrônica entre as empresas e as plataformas de venda de passagens, em especial às políticas de exclusividade.

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Dessa forma, plataformas digitais, que deveriam funcionar como canais neutros e transparentes, frequentemente reproduzem as distorções desse mercado pouco diversificado. O resultado é uma experiência do consumidor limitada, em que os benefícios da concorrência — como melhores serviços, inovação e tarifas competitivas — não se materializam plenamente. Quando a mesma estrutura controla operação, distribuição e pontos de venda, a pressão por eficiência e preços baixos diminui, prejudicando, em última instância, os passageiros.

Esse cenário se torna ainda mais evidente quando observamos a concentração de demanda em algumas rotas. As 20 maiores rotas interestaduais do país, por exemplo, concentram mais de 20% do total de passageiros transportados. Em algumas dessas rotas, há operadores que detêm a totalidade ou a maior parte do mercado, o que reduz ainda mais as possibilidades de comparação e escolha por parte do consumidor. Situações semelhantes se repetem em diversas regiões, especialmente no Sul e Sudeste.

Quando essa concentração também se reproduz nos canais de venda, os efeitos sobre os consumidores são claros: menos opções visíveis, menor estímulo à concorrência, preços artificialmente elevados e pouco dinamismo na oferta de serviços. Esse cenário demonstra que a discussão sobre a eficiência do setor não pode se limitar às condições operacionais das rotas – é igualmente crucial assegurar que todos os agentes do mercado, desde operadores até plataformas de distribuição, atuem em um ambiente verdadeiramente competitivo e desvinculado de estruturas verticalizadas.

Afinal, a concorrência não deve ser vista como um embate entre empresas, mas como um instrumento para colocar o passageiro no centro das decisões. Quando há competição real, todos ganham: as empresas se tornam mais eficientes, o mercado se diversifica e, o mais importante, os cidadãos têm acesso a serviços de qualidade, acessíveis e transparentes. Nesse sentido, defender a concorrência no setor não é apenas uma questão econômica, é defender a liberdade individual de escolha, permitindo que cada passageiro decida por si mesmo qual serviço melhor atende às suas necessidades e preferências.

Jorge Seif é senador por Santa Catarina.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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