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Constituição do Brasil veda textualmente a reeleição de presidentes da Câmara e do Senado em uma mesma legislatura. Mas metade do STF entendeu de forma diferente.
Exemplar da Constituição do Brasil.| Foto: Beto Barata/PR

No desandar estrutural das instituições, a política perdeu credibilidade, capacidade de entrega e seu inato ímpeto realizador. O incrível dos fatos é que segmentos importantes da classe política insistem em renovar-se no vício, atingindo uma situação quase limite. O impasse é iminente. Parafraseando famosa oração de um profeta do pecado, nunca antes na história deste país a bagunça oficial foi tão escabrosa. Os poderes simplesmente não se entendem; batem cabeça; cruzam linhas intransponíveis; usurpam competências; esfacelam a Constituição.

Ora, não há democracia que resista à desordem estabelecida.

O diagnóstico é reto: precisamos interromper a marcha acelerada da insensatez em curso. Chega de egoísmo, arrogância e infantilidades. O Brasil tem problemas gravíssimos que somente serão resolvidos com seriedade e amor ao país. Não podemos mais seguir olhando com lupa apenas para o próprio umbigo; é preciso ampliar o horizonte da nação, reconhecer a complexidade do mundo, olhar transversalmente sobre a realidade nacional, estabelecer uma pauta propositiva, ética e integradora, recompor as pontes de diálogo na sociedade, enaltecendo a cortesia e a cordialidade entre as instâncias do poder.

Em página de relevo da história republicana, ao se despedir do Ministério da Justiça, a inteligência superior de Paulo Brossard bem lembrou que “ninguém governa só”. Ou seja, o Planalto não governa sozinho, assim como o parlamento não é rei nem o Supremo, o imperador da razão. A República, em vez de uma força monolítica estanque, se perfaz no equilíbrio ponderado entre esferas plurais e dinâmicas de poder. Por assim ser, a democracia requer o predicado especial da justa composição de interesses contrapostos, elevando o entendimento e o bom senso como instrumentos efetivos da política bem exercida.

Sim, vivemos tempos difíceis e desafiadores. A vida ganhou velocidade, mas as instituições pararam no tempo. O descasamento de perspectivas salta aos olhos. As pessoas têm pressa e exigem respostas rápidas; as instituições, no entanto, são lerdas, burocráticas e solenes. O descompasso é autoevidente; reluz com clareza solar. Sem cortinas, o atual entrechoque frenético dos poderes marca o ponto de saturação de um modelo institucional vencido e anacrônico que exige pronta e imediata readequação aos imperativos da contemporaneidade.

Aqui chegando, não adianta fechar os olhos na vã ilusão de que o amanhã será milagrosamente melhor que o hoje. Não será, salvo a adoção de medidas inadiáveis. Infelizmente, o recurso ao tempo não é mais uma opção válida, pois deixar como está é a certeza do naufrágio final.

No apagar das velas, temos um federalismo sucateado, com estados da grandeza do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais em regime falimentar, sem contar, é claro, a vastidão de municípios em penúria absoluta. No plano jurídico, alguns direitos adquiridos se transformaram em fontes de injustiças perpétuas. Não por acaso, o Supremo toda semana tem de dizer o que é a Constituição, indicando que as palavras da lei perderam autoridade, significado e importância normativa. E, quando a lei cala, o arbítrio manda. Se isso já não fosse o bastante, há, entre as contas grandes do rosário das inconstitucionalidades, partidos travestidos em empresas políticas que, despidas de honra e decência, apenas visam o lucro das urnas eleitorais, seja por meio de fundos públicos bilionários ou mediante imorais emendas parlamentares de empreitada.

É indubitável, portanto, que nossas insuficiências institucionais exigem uma hábil e ampla reengenharia constitucional. De tudo, uma certeza: as soluções não se farão a fórceps. Aliás, não existe maior demonstração de fraqueza política que a recorrente ameaça a atos de força. O caminho, portanto, é outro. Nos macrojogos do poder, as vitórias são frutos da destreza de movimentos, da inteligência estratégica e da milimétrica capacidade de ação em situações sem margem de manobra. Trata-se de uma arte rara que une a potência à discrição. Por assim ser, o conceito legítimo de autoridade dispensa gritos, desmandos ou extravagâncias, pois o poder autêntico se exerce silenciosamente, impondo-se sem nem sequer ser percebido.

Mas, então: quem governa o Brasil?

Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium.

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