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| Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo

O Senado aprovou a conversão em lei da Medida Provisória 833, que prevê que caminhões não devem pagar tarifas de pedágio pelo chamado “eixo suspenso”. Essa medida foi uma das reivindicações dos caminhoneiros durante a greve por eles patrocinada. Desde a edição da MP, o benefício passou a ser aplicado a todas as concessionárias, independentemente das previsões contratuais sobre o tema. Em muitos casos criou-se uma isenção não prevista no contrato celebrado com as concessionárias.

A medida é altamente controversa do ponto de vista jurídico. Em termos simples, a União está criando despesas para os estados sem dizer como isso será objeto de compensação. A boa e velha cortesia com o chapéu alheio. Criou-se um passivo que deverá ser equacionado em favor das concessionárias cujos contratos preveem a cobrança do eixo suspenso. O estado de São Paulo já judicializou a questão, buscando equacionar o problema financeiro que lhe foi criado pela União. Enfim, haverá muitos litígios no setor de concessões de rodovias envolvendo esse assunto. Eles são o resultado direto da opção política de empurrar o problema com a barriga para tentar achar uma solução no futuro.

Como o que é ruim pode ficar pior, o Senado resolveu incluir uma nova previsão sobre o tema. Buscando evitar desgastes com a opinião pública, incluiu-se uma disposição no texto da lei impedindo que os custos da isenção sejam repassados à tarifa dos demais usuários. A medida é manifestamente inconstitucional, pois promove ingerência do Legislativo na gestão dos contratos administrativos, o que é rechaçado pela jurisprudência do STF. Mas, entre a técnica e a retórica, pior para a técnica.

O bom economista é aquele que enxerga não apenas os benefícios no curto prazo, mas os efeitos de longo prazo

O que espanta é que, a essa altura, medidas dessa natureza ainda sejam vendidas à opinião pública como benéficas ao usuário. Não são.

Do ponto de vista técnico, uma concessão envolve algumas dimensões que se interligam e formam o que se chama de equilíbrio econômico-financeiro do contrato. O concessionário é alguém que financia um empreendimento público. Em termos simples: todo concessionário empresta dinheiro para o Estado (e, claro, cobra uma taxa por isso). Esse dinheiro é investido em obras públicas e no custeio da operação (no jargão, Capex e Opex). O Estado não paga diretamente esses recursos; quem paga é o usuário. Como se percebe, há três dimensões que se interligam em uma concessão: os gastos exigidos do concessionário, o valor arrecadado com as tarifas e o tempo. Em termos ideais: em um intervalo definido de tempo, todo o gasto do particular é recuperado, acrescido de uma determinada taxa de retorno.

Isso tudo se interliga de modo que qualquer impacto em uma dessas dimensões afeta as demais. Por exemplo, se houver perda de receitas tarifárias causadas por decisões do Estado, necessariamente os investimentos serão reduzidos ou o prazo será aumentado (valendo combinar os dois). Se houver novos investimentos, necessariamente o tempo ou a tarifa deve aumentar. E, se houver redução do prazo, a tarifa deve aumentar, ou os investimentos diminuírem. Enfim, o importante é perceber que essas variáveis (tempo, investimento e tarifas) se correlacionam de modo que não é possível isolar os efeitos da alteração de uma delas. As outras sempre serão afetadas.

Leia também: O preço do tabelamento (editorial de 7 de agosto de 2018)

Leia também: O futuro incerto do setor de transporte rodoviário (artigo de Ricardo José Bertin, publicado em 19 de agosto de 2018)

Pois bem: a criação de uma isenção não prevista contratualmente implica perda de receita tarifária. As concessionárias terão direito de revisitar os seus contratos de modo a preservar a rentabilidade programada neles – afinal, elas estão “emprestando” dinheiro para o Estado. Um dos modos pelos quais isso pode se dar é aumentando a tarifa dos demais usuários. Só que de modo populista, vendendo a ilusão de proteger o usuário, o Senado pretende proibir a adoção dessa medida. O problema é que, ao fazê-lo, está simplesmente transferindo a solução para outra das dimensões do contrato. Há uma de duas alternativas neste caso: ou se reduzem investimentos ou se prorroga o prazo de cobrança (ou uma mistura disso). Ambas são equivalentes do ponto de vista ao aumento de tarifa.

Aí fica a pergunta: se o prazo aumentar, ou se os investimentos forem reduzidos, quem terá pagado a conta? A resposta é uma só: o usuário. No primeiro caso, ele pagará mais por um nível de serviço menor. No segundo, haverá cobrança por mais tempo do que o inicialmente programado. De um modo ou de outro, a conta chegará. A alternativa a isso é ainda mais perniciosa: empurrar o custo das medidas a todos os contribuintes, incluindo a compensação no orçamento da União. Seja qual for a alternativa, os custos das benesses serão alocados à coletividade. Enfim, custos não desaparecem por vontade política. A realidade, essa inconveniência, se impõe. Mais cedo ou mais tarde a conta aparece.

Já disse Bastiat que o bom economista é aquele que enxerga não apenas os benefícios no curto prazo, mas os efeitos de longo prazo (geralmente ruins). Infelizmente, políticos tendem a ignorar essa obviedade e sacrificar a sustentabilidade dos serviços públicos no altar dos imediatismos. Vender como proteção ao usuário a proibição do aumento de tarifas para compensar uma isenção tarifária não passa de um truque de prestidigitação. A conta voltará para o bolso do usuário, apenas de maneira camuflada.

Bernardo Strobel Guimarães, mestre e doutor em Direito do Estado, é professor da PUCPR e advogado.
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