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Todos os países do Cone Sul, à exceção de Argentina e de Paraguai, encontram-se em processo sucessório para eleger seus novos mandatários. Na realidade de um subcontinente marcado por presidencialismos imperiais, onde presidentes da república detêm poderes inigualáveis, Chile, Uruguai e Brasil vão às urnas, com candidatos novos e, desta vez, sem o espectro indesejável da reeleição. Até a natureza política parece evoluir. Se por aqui já bem sabemos o tamanho do imbróglio, não menos complicado é o processo dentre os vizinhos.

No primeiro cenário, o Uruguai, a escolha do sucessor de Tabaré Vásquez será já em outubro. Apesar de altos índices de popularidade, mercê do bom desempenho da economia, o presidente que sai não conseguiu im­­por o candidato Danilo Astori, que era mi­­nistro da economia de seu governo. Quem ga­­nhou as prévias foi José Mujica, ex-ministro da Agricultura e ex-tupamaro, reconverti­­do ao comedimento ideológico, e que na pru­dência de seus 70 anos afirmou que se ga­­nhar nada mudará. Inclusive convidou As­­tori para continuar o trabalho de mentor da economia uruguaia. Quanto aos partidos tradicionais, que por mais de século mandaram na República Oriental, agora apenas disputam como oposição, com os candidatos Al­­ber­­to Lacalle, pelos blancos, e José María Bor­­daberry, pelos colorados. Esse último, de na­­cionalismo démodé e empertigado, não gosta do Mercosul e é hostil à integração, o que é raro no cenário político regional. Menos mal que possui remotas chances de vitória.

No Chile, as eleições presidências serão em dezembro. Com excelentes índices de aprovação quem sai é Michelle Bachelet, também com pouca probabilidade de eleger seu preferido, Eduardo Frei-Ruiz Tagle, ex-presidente a representar frente socialista, mas de socialismo à chilena. Até agora, de forma paradoxal, diante dos sucessos de Bachelet, o preferido nas pesquisas era o conservador e oposicionista Sebastián Piñeira, com receitas de capitalismo e de mercado sem limites, o que não conflita com a imagem do Chile-global-trader, tão ao sabor das universidades santiaguinas e de grande par­­te do país que se estima no Primeiro Mundo. Porém há surpresas de última hora e nada está definido. No que poderia ser um cenário brasileiro para o próximo ano, surge, em cima da hora, uma candidatura de dissidência socialista, a do deputado Enriquez-Omi­­nami, de 36 anos, ancorada em anseios de mu­­danças, de políticas alternativas e am­­bien­­talistas, e de terceiras vias. Com vertiginoso crescimento, o candidato e também cineasta desafia os partidos tradicionais e, pelas pesquisas, racha o eleitorado em três segmentos, todos com possibilidades reais de vitória.

Em uma visão panorâmica do que tem acontecido, o apelo da hora no tempo eleitoral atual parece dirigir-se de forma impetuosa para o clamor ecológico e para a preservação ambiental. Nas últimas eleições europeias, para renovar o parlamento europeu, em fevereiro último, a grande surpresa foi a avalanche de votos verdes. José Bové, o ultraativista de incêndios e invasões pró-ambientais, que já esteve no Brasil com os seus fósforos e seus vastos bigodes bretões, foi eleito eurodeputado com expressiva votação. E isso em plena França não propriamente revolucionária de Sarkozy, que elegeu, ainda, Daniel Con-Bendit, mítico líder da revolta de maio de 68, hoje apenas um ecologista de posições fortes, porém pacíficas.

A aproximação dos países, a uniformização das agendas e a pasteurizarão dos particularismos ideológicos faz com que todas as eleições pareçam assemelhadas. Os dilemas e as demandas se repetem, apenas em idiomas diferentes, como se de fato já existira o lócus do qual falou McLuhan. Agora, nas eleições vindouras do Cone Sul, embora haja novidades, parece não haver surpresas e tão pouco os ventos andinos parecem soprar em direção aos polos. Resta esperar que a renovação do poder que se verifica, que oxigeniza e robustece a democracia, passe a ser regra, sem continuísmos de falas latinas, com seus profetas, santos e heróis.

Jorge Fontoura, doutor em Direito, é professor titular do Instituto Rio Branco e árbitro do Tribunal Permanente do Mercosul.

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