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 | Ismael Francisco/Cubadebate
| Foto: Ismael Francisco/Cubadebate

O ingresso atabalhoado da Venezuela no Mercosul, em 2012, após a suspensão do Paraguai, foi desde logo anúncio de maus presságios. A inclusão a fórceps de Chávez e de seu regime, como clara opção de diplomacia presidencial de parti pris ideológico, desconsiderou com gravidade as consequências que o ato poderia gerar. Naquela altura, já com rumores do estado de saúde do comandante, optou-se desastradamente pelo que parecia mais seguro: antes abrir-lhe a porta do que deixá-lo à deriva, em política de apaziguamento que se sabe historicamente nunca funcionar. Se decerto a entrada da Venezuela foi, então, feito geopolítico, com vantagens comerciais importantes no Norte do Brasil, a conta agora chega de forma impiedosa a toda a sub-região.

Como os países-membros assumem a presidência mercosulina em sequência alfabética, neste semestre a vez caberia a uma Caracas assolada por crise sem precedentes, ainda que previsível. Embora a presidência do bloco seja apenas simbólica, com poucos poderes de fato reconhecidos ao presidente de turno, é notável a circunstante limitação do país caribenho para qualquer desempenho internacional, isolado em suas penúrias econômicas e no destempero de seu líder, com os poderes do Estado destroçados, à espera apenas da débâcle final do regime.

Nas atuais condições, teria como o governo venezuelano exercer a presidência do bloco?

Em tais condições, teria como o governo venezuelano exercer a presidência do bloco? Os demais sócios, depois de muitas negociações, parecem ter encontrado resposta consensual, sem a objeção do Uruguai, que se absteve para formar consenso contra a Venezuela: criou-se comissão multilateral para presidência provisória, com prazo ao governo de Maduro para incorporar normas básicas do bloco. No entanto, como por certo não há o mínimo clima para que as centenas de atos essenciais ao convívio comunitário sejam adotadas no caos reinante em Caracas, parece óbvio que o prazo dado é de fato um ultimato, prévio à suspensão do país, na espera de melhores dias que certamente virão para o povo venezuelano.

Como se não bastasse, a insistência do presidente Maduro em exercer uma presidência imaginária e autoatribuída, que de fato nem sequer recebeu, se por um lado contamina gravemente a imagem internacional da integração sul-americana, por outro ensina quão nefasta é a instrumentalização ideológica de blocos econômicos. Quando governos populistas esquecem o comércio e se voltam para o protecionismo e para o nacionalismo, a integração regional adoece gravemente.

Nessa perspectiva, apesar de todo o barulho político, a volta do Mercosul ao seu eixo comercial – do qual nunca deveria ter saído – é notícia alentadora. Em mundo também em crise, o Mercosul segue sendo ativo de política externa irrenunciável, como quinta economia mundial, com PIB superior a US$ 3 bilhões e com mercado de 275 milhões de habitantes. O recente acordo automotivo Brasil-Argentina, bem como a criação do Cembrar, que une as confederações de indústria dos dois países, valoriza o setor privado e o macrocomércio bilateral – vale dizer, comércio bilateral entre países que representam mais de 90% do PIB do bloco, com ou sem Venezuela.

Elizabeth Accioly, doutora em Direito, é professora da Universidade Europeia de Lisboa e do curso de Mestrado do Unicuritiba.
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