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É notável o avanço científico em algumas áreas da medicina nas últimas décadas, principalmente se considerarmos as doenças que atingem muitas pessoas. Por outro lado, ao analisarmos as doenças com menor incidência, chegaremos a uma triste constatação: das mais de 7 mil doenças raras conhecidas, menos de 10% contam com tratamentos específicos e a maioria de seus portadores leva anos para chegar ao diagnóstico correto.

Mais de 75% das doenças raras atingem crianças e 50% são diagnosticadas tardiamente. Estima-se que, nos Estados Unidos, uma em cada dez pessoas seja portadora de uma doença rara. Na Europa a estimativa é de uma pessoa a cada duas mil. Infelizmente, no Brasil, ou até mesmo na América Latina, não temos esse dado. Mas sabemos que em um país de proporções continentais, como é o Brasil, muitos pa­­cientes padecem de doenças desconhecidas e subdiagnosticadas por anos sem alcançar o diagnóstico e o tratamento adequados.

Considerando que cerca de 80% das doenças raras têm origem genética, o papel do médico geneticista é fundamental para mudar o cenário atual das doenças raras no Brasil. Hoje, temos menos de 200 médicos geneticistas em todo o país, e cerca de 85% estão concentrados nas regiões Sul e Sudeste. Estima-se que a fila de espera para uma consulta com um médico geneticista possa chegar a um ano.

Em 20 de janeiro de 2009, foi publicada a Portaria n.º 81/09, que instituiu, no âmbito do SUS, a Política Nacional de Atenção In­­tegral em Genética Clínica, assinada pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão. Porém a Se­­cretaria de Atenção à Saúde (SAS) não publicou as medidas necessárias para a plena estruturação da política. Com isso, mais de 140 milhões de brasileiros ainda se encontram à margem de um atendimento digno na área de genética.

A maioria das doenças raras são graves, incuráveis, crônicas, frequentemente degenerativas e progressivas, além de constituírem risco de vida. A qualidade de vida dos pacientes é frequentemente afetada pela perda ou diminuição da autonomia. Os pacientes e suas famílias enfrentam o preconceito, a marginalização, a falta de esperança nas terapias e a falta de apoio para o dia a dia. Isso acontece em todo o mundo, não apenas no Brasil.

Mas, nós, profissionais de Saúde, devemos todos os dias assegurar que o bem mais precioso do ser humano – a vida – seja garantido e tratado com dignidade. Podemos dizer que dignidade é viver com qualidade, podendo usufruir de todas as conquistas da humanidade. Negar ao ser humano qualquer uma destas conquistas significa degradar sua dignidade. Assim sendo, ao negar ao portador de uma doença rara que ameaça sua vida acesso ao médico, diagnóstico e tratamento não é a mesma coisa que tirar sua dignidade, condenando-o a uma vida degradante?

Quero conclamar a sociedade brasileira, os médicos, os enfermeiros, os políticos, as autoridades e demais envolvidos no assunto, a pensar se estamos trabalhando para construir uma sociedade livre, justa e solidária, conforme prega a nossa Constituição. Não interessa se a doença é rara e atinge poucas pessoas. Afinal, em uma sociedade justa e solidária, todos de­­vem reunir esforços em prol de um ou de todos. A vida não espera. A vida não tem preço porque é o bem mais raro que todos nós temos.

Salmo Raskin, médico geneticista, é presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica

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