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Creio que estamos vivenciando a melhor Copa do Mundo. Pela primeira vez não estamos anestesiados e cegos pela paixão. Pela primeira vez, o embate entre razão e paixão nos traz uma emoção mais sadia.

O país reagiu ao jeitinho brasileiro, ao amadorismo dos governos municipais, estaduais e federal, à ganância do capital, à incompetência planejada das empreiteiras, à cultura da falta de planejamento, à subordinação absurda a uma organização supostamente sem fins lucrativos chamada Fifa.

Ao mesmo tempo, a emoção em ver nossas cores vencendo se mantém. É muito bom ver a seleção brasileira ganhar! É muita boa a sensação de eficiência em alguma coisa!

Quem me conhece sabe que o futebol não faz parte da minha vida. Desde pequeno, quando deixei de ser fanático por esse esporte, ao ver o mal que esse tipo de fundamentalismo religioso pode fazer às mentes das pessoas, não acompanho isso. Ou melhor, tomo gosto a cada quatro anos, homeopaticamente, pois sou um apaixonado pelo Brasil. Assim, torço na Copa como na Olimpíada, como nas competições científicas, técnicas e artísticas. Torço pela nossa música, por nosso cinema, pela nossa economia e rezo por cada presidente que assume o poder. E sempre fico muito feliz em ver nossa bandeira subindo ao som de nosso hino (sem me perder naquela hora do "Ó pátria amada, idolatrada, salve, salve").

Gosto de esportes? É claro! Em especial aikido, corridas, pingue-pongue e pebolim. Isso mesmo, adoro pebolim. Jogava nos campinhos? É claro! E adorava isso também!

Mas não gosto de futebol, ou melhor, não gosto da indústria do futebol, pois sempre me incomodou a pose científica dos comentaristas, a mafiosidade dos cartolas e a empáfia de alguns jogadores. Além disso, sempre questionei a transferência de sonho daqueles que, ao torcer, contentam-se com a vitória alheia, com a catarse do fim de semana, esquecendo-se de apoiar seus filhos e irmãos, de planejar a vida, de estudar mais, de evoluir profissionalmente, de ser o craque da sua família.

Mas tenho de reconhecer a importância cultural do futebol. Ele nos une, na saúde e na dor, na riqueza e na pobreza. Ele é o contrato de casamento nacional, onde cabem abraços e xingamentos, onde cabe amor e desamor.

A linguagem do futebol nos atrai pois ele é um jogo difícil como nossas vidas. Precisamos driblar os obstáculos, precisamos lutar, precisamos confiar nos outros, precisamos chegar ao limite de nosso fôlego, precisamos chutar, confiar no vento, na grama, no erro do adversário, no passe amigo, nas preces, na trave. Aliás, acho que bola na trave deveria valer dois pontos, pois é mais difícil acertar numa trave que no meio do gol. Enfim, o duro é que para ganhar também vale a malandragem, também vale a violência, também vale a corrupção etc. Ou seja, o futebol é efetivamente uma metáfora de nossas vidas e a Copa do Mundo é o seu ritual máximo – aliás, Copa do Mundo da Fifa, antes que eu seja processado por citar o evento sem o crédito para seu dono.

Pois é, a festa tem dono. Esse dono manda em governos e é arrogante ao ponto de impedir que o chute inicial – do jovem no exoesqueleto desenvolvido por nossos cientistas (capitaneados pelo dr. Nicolelis) – fosse dentro do estádio, porque poderia estragar o gramado! Hello! Não dava para colocar umas placas de compensado no chão? Ah, sei, Brasil não rima com tecnologia, não é mesmo?

Ops, não posso ceder à paixão e me entregar a esse modismo absurdo a que chegamos, em que irmãos se xingam de coxinhas e petralhas pelo Facebook, em que adolescentes desqualificados se acham no direito de sair quebrando tudo, quando pessoas supostamente letradas mandam as outras "chuparem" ou que acham correto, enquanto massa-torcida, xingar a presidente do país, atribuindo a uma única pessoa todas as mazelas pelas quais todos somos responsáveis, em maior ou menor grau.

Mas o primeiro jogo do Brasil, o jogo mesmo, foi uma aula. Manter o centro após um gol contra, ir para cima, virar o jogo e ganhar de 3 a 1, com categoria, isso é uma aula! Agradeço ao professor Felipão e aos seus alunos todos: Oscar, Neymar Jr., Paulinho, David Luiz, Júlio César e cia.

Aproveitemos essa aula de jogo (e, se me permitem outra recomendação, há o filme Um time show de bola, de Juan José Campanella) e vamos pra cima, vamos virar o jogo neste país. Mantenhamos o centro; paremos com agressões tolas; critiquemos com firmeza, inteligência, responsabilidade e respeito; elejamos os mais dignos e preparados; participemos mais; façamos mais e melhor e tenhamos a coragem de mudar nossas vidas, de melhorar a nós mesmos. Pois o Brasil é isso; como virou moda dizer, "é nóis!"

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