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A máxima de que somente encarando face a face os fantasmas de seu passado é que uma pessoa consegue deles se livrar parece, finalmente, estar permeando o Estado brasileiro. As assombrosas violações dos direitos humanos durante os anos de chumbo da ditadura militar finalmente começarão a vir a público a partir da instalação da Comissão da Verdade.

Os integrantes da comissão terão dois anos de prazo para investigar os crimes, torturas e mortes cometidas por agentes do Estado entre 1946 e 1988. Entre os integrantes da Comissão estão figuras de proa na luta pelos direitos humanos no país, como o advogado José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso; o diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, relator da ONU para violação de direitos humanos; a advogada Rosa Maria Cardoso da Cunha, que defendeu presos políticos durante a ditadura; o ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles; o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp; o advogado José Paulo Cavalcanti Filho e a psicanalista Maria Rita Kehl.

Ao lado da instalação da Comissão, protestos como o "Ato pela Memória, Verdade e Justiça", organizado pelo Levante Popular da Juventude e realizados em onze estados, são, sem dúvida, um sintoma de que a sociedade civil não aceita as torturas e a repressão impetradas durante a ditadura militar, tampouco aceita que os agentes do aparelho repressivo permaneçam escondidos e impunes até hoje. Sobretudo é chegada a hora de abrir o baú das injustiças e, imbuídos de coragem, dar nome, voz e cara para todos os envolvidos.

Buscando a verdade e acertando contas com seu passado, o Brasil estará preparando para se reconciliar consigo mesmo. Já se disse que aqueles que não aprendem com o passado estão condenados a repeti-lo. A revelação das circunstâncias dos crimes cometidos pelos agentes da repressão naquele tenebroso período não tem o sentido de vingança, mas de fazer com que o país finalmente vire essa página de seu passado e, ao mesmo tempo, permita às famílias das vítimas saber o destino de seus filhos. E criar condições para que essas violações de direitos humanos jamais voltem a acontecer.

A criação da Comissão da Verdade foi muito criticada e nasceu sob suspeição por conta de suas supostas limitações. Mas se ela conseguir jogar luz no passado tenebroso da ditadura militar – e tudo indica que o fará –, dará uma contribuição fundamental para consolidar nosso tenro Estado Democrático de Direito. Não será pouca coisa num país de tradição autoritária como o Brasil.

Alexandre Piccini, ator, é autor da peça Filha da Anistia, sobre o drama das famílias que tiveram entes desaparecidos durante a ditadura.

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