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Há uma compreensão quase generalizada de que as medidas adotadas pelas autoridades econômicas, objetivando neutralizar os impactos da crise internacional no aparelho produtivo brasileiro, centradas na re­­núncia fiscal do Imposto sobre Produtos Industria­­li­­zados (IPI) e na ampliação da oferta de crédito, liderada pelos bancos oficiais, precipitaram movimentos de desova de estoques e, posteriormente, de retomada da produção fabril. Segundo a Fun­­dação Getulio Vargas (FGV), enquanto entre outubro de 2008 e março de 2009, o setor industrial consumiu estoques de R$ 43 bilhões, no intervalo abril-julho de 2009, aconteceu formação de estoques de R$ 3 bilhões.

Pesquisa trimestral realizada pelo Provar, da Fundação Instituto de Administração (IA), em parceria com a Felisoni Consultores Associados, divulgada em outubro de 2009, mostra que 77% dos consumidores tencionam adquirir bens duráveis no último trimestre de 2009, representando a maior proporção de intenção de compra captada em dez anos. Outra investigação, da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio), re­­ve­­la que 97% das empresas da região metro­­po­­litana de São Paulo pretendem efetuar investimentos em 2010. Em semelhante perspectiva, o Índice de Confiança do Consumidor, calculado pela FGV atingiu 113,6 pontos (base 0 a 200) em setembro de 2009, o maior em 17 meses, retrocedendo aos ní­­veis anteriores à crise.

O Índice de Confiança do Empresário Industrial (Icei), verificado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), marcou 65,9 pontos em outubro de 2009 (varia entre zero e 100, sendo acima de 50 indicativos de confiança), o maior desde janeiro de 2005 (66,5), contra 62 em abril de 2008 (antes da crise) e 47,4 em janeiro de 2009, ápice do vendaval financeiro.

Por outro lado, a variação da formação bruta de capital fixo (FBCF – obras de infraestrutura e instalações e produção e aquisição de máquinas e equipamentos) foi nula no 2.º trimestre de 2009, fazendo a taxa de investimento cair para 15,7% do PIB, o menor patamar do período desde 2003 (contra 18,5% do PIB nos primeiros três meses de 2008), sendo que o Programa de Aceleração do Cresci­­mento (PAC), lançado em janeiro de 2007, tencionava eleva-la para 25% do PIB.

Cumpre considerar que como parte substancial da FBCF deriva da preservação das inversões da Petrobrás e da obras da construção civil, é lícito argumentar a ocorrência de suspensão de parcela expressiva dos planos e a compressão das decisões dos investimentos privados, justificada pelo encolhimento das expectativas de lucro, em função do caráter descendente do mercado externo e das dúvidas quanto à solidez da marcha de reativação da demanda doméstica, prejudicada particularmente pelos riscos de endividamento ou inadimplência das famílias.

Nessa linha, levantamento da Serasa constatou, em 2009, os maiores níveis de inadimplência (atraso nos pagamentos superior a 90 dias) desde 2001. Para as pessoas físicas houve subida de 8,9% entre janeiro e setembro de 2009, apesar dos recuos experimentados em agosto e setembro. Do montante dos passivos não pagos, 44,2% corresponde aos bancos, 32,6% a cartões e financeiras, 17,4% a cheque sem fundos e 1,9% a títulos protestados.

O endividamento com cartão de crédito teria atingido montante recorde em agosto (R$ 26,5 bi­­lhões), com inadimplência de quase 30%, o que é preo­­cupante por configurar passivo mais caro. A inadimplência com cheques cresceu 14,2%, sendo de­­vol­­vidos 22,5 cheques a cada mil compensados. Re­­tor­­naram 18,558 milhões de cheques para emissão de 824,483 milhões. Para as pessoas jurídicas, o re­­­­tardo nos pagamentos classificado tecnicamente co­­mo inadimplência teria subido 26,7% em igual in­­tervalo, concentrado em títulos protestados (41,6%), cheques sem fundos (38,9%) e bancos (19,5%).

Uma interpretação atenta desse conjunto de variáveis qualitativas e quantitativas permite captar o paradoxo de expectativas generalizadas de vigorosa recuperação da economia real em paralelo ao perigoso delineamento de um cenário de exaustão do ciclo de endividamento privado.

Gilmar Mendes Lourenço é economista e coordenador do Curso de Ciências Econômicas da FAE Centro Universitário.

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