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As estatísticas que mostram a melhoria da educação brasileira, com recordes de matrículas no ensino fundamental, melhor qualidade do ensino e maior freqüência às salas de aula, talvez sejam mais uma farsa entre outras que comprometem alguns programas sociais do governo federal.

Tudo indica que, empregando o processo fraudulento de criar alunos fantasmas para inflar os cheques que recebem do Fundep, cuja distribuição é proporcional ao número de matrículas, estados e municípios aumentam o número de estudantes matriculados, transmitindo informações intencionalmente erradas. Assim, é lícito supor que o Fundep, que se baseia no cadastro escolar para distribuir recursos, esteja remetendo às escolas mais verbas do que teriam a receber.

Se isso ocorre na educação, área em que somente o Fundep, neste ano, deverá redistribuir R$ 35 bilhões entre estados e municípios, para financiar escolas públicas de 1.ª a 8.ª séries, o que não estaria ocorrendo em outras áreas sociais, inclusive na Bolsa-Família?

A suspeita se justifica, a partir de denúncia do ministro da Educação, Fernando Haddad, ao divulgar os primeiros resultados do novo cadastro de alunos do ensino básico. Para ele, não batem seus dados e os do Censo Escolar 2005, estes, superestimados. Enquanto o cadastro indica 43,4 milhões de alunos matriculados (segundo 85,6% das escolas públicas e privadas), o Censo aponta para 56,4 milhões de estudantes – uma diferença de 13 milhões de matrículas a menos, certamente, alunos fantasmas.

Do ponto de vista do governo federal, que costuma proclamar a evolução da educação, sobretudo no ensino fundamental, com recordes de alunos matriculados, talvez a conclusão mais triste seja a de que é quase impossível debater e discernir programas educacionais com base em informações falsas ou distorcidas. Nem mesmo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, órgão ligado ao MEC, e responsável pelo Censo Escolar e pelo cadastro, sabe o tamanho da diferença entre seus números (só nas escolas privadas, faltam dados de 3 milhões de alunos). Somando-se a essa balbúrdia o abandono no ensino fundamental, que apenas no Norte e Nordeste alcança 20% dos matriculados – ou tidos como matriculados – tem-se uma idéia de como seria pouco transparente o repasse de recursos para o ensino fundamental.

E o que disseram os diretores de escolas e as mães de família, por exemplo, quando questionados sobre a real situação dos seus alunos e dos seus filhos, aos entrevistadores do IBGE para a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (PNAD)?

E para onde vai o dinheiro do Fundep, quando se constata que, para os estados e prefeituras, um aluno do ciclo básico, seja matriculado ou não, tem mais valor financeiro do que como cidadão, pois é visto mais como item de orçamento do que como aluno?

São questões a serem colocadas na ocasião em que o ministro Haddad afirma que os recursos para a educação precisam crescer – o Brasil investe 4,3% do seu PIB em educação, índice semelhante ao da Finlândia e da Suécia, mas ruim para um país com décadas de atraso. Há poucas semanas, o presidente Lula declarou, em reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que serão necessárias duas décadas para resolver nossos problemas da educação e que precisamos decidir o que queremos ser daqui a 20 ou 30 anos.

Lamentavelmente, nenhum país pode anunciar o que quer ser sem dados precisos sobre a realidade de sua educação fundamental, média e superior, e sobretudo, dos milhões de indivíduos que – em relação ao conjunto da sua população – mais carecem de escola pública e ensino qualificado.

A elevação dos níveis de repetência nas escolas, tanto nos estados mais ricos como nos mais pobres, segundo todos os últimos censos escolares do MEC, é prova eloqüente de que nosso sistema educacional é menos inclusivo do que deveria ser para formar cidadãos. Culpar por isso o modelo econômico, que estaria drenando recursos para outras áreas, como para o programa Bolsa-Família, entre outras prioridades, é pretexto ideológico ou desculpa esfarrapada de quem procura fugir da questão da educação.

Do mesmo modo, se o governo federal fechar os olhos aos estados e municípios que adotam impunemente mecanismos para falsear o número de alunos matriculados no ensino básico, criando estudantes fantasmas para engordar os repasses financeiros do governo federal, estará escarnecendo de quem efetivamente precisa estudar.

Miguel Jorge, jornalista, é vice-presidente de Recursos Humanos e Assuntos Jurídicos e Corporativos do Santander Banespa.

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