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Panorama da Cidade Universitária da Universidade de São Paulo (USP). Imagem ilustrativa.
Panorama da Cidade Universitária da Universidade de São Paulo (USP). Imagem ilustrativa.| Foto: rvcroffi/Wikimedia Commons

A universidade está em xeque. E a razão para se questionar o sentido e a sua função para o futuro tem a ver com três temas que definiram a concepção do ensino superior no passado: preparação dos indivíduos para ambiente de trabalho, local único de produção e propagação do conhecimento científico e acadêmico e desenvolvimento de habilidades fundamentais para todos os campos da sociedade. Como bem apontado por pensadores contemporâneos, a segunda década do século 21 é fortemente marcada por uma premissa que, na filosofia clássica, é definida como “tudo muda, tudo flui, o fluxo perpétuo é a principal característica da natureza”.

A fluidez do mundo líquido, a sua volatilidade – os fenômenos podem sair do controle em um tweet –, as incertezas de planejamentos de médio e longo prazos que não sobrevivem por mais de 12 meses, a complexidade nas infinitas variáveis que dificultam a tomada de decisão e a ambiguidade (não existem mais verdades absolutas e até pontos de vista conflitantes podem coexistir no mesmo ambiente) abalaram os pilares que sustentam essas instituições.

A ideia de que elas preparam os estudantes para o mercado foi a primeira a ser atingida pelo frenesi de desenvolvimento tecnológico. A criação cada vez mais veloz de hardwares e softwares coexiste com a entrada avassaladora de temas de ficção científica no dia a dia da sociedade: Inteligência Artificial, Machine Learning, Data Science e Data Mining fazem parte do cotidiano de todos, especialmente por meio de plataformas com alta aderência social, como redes sociais, ferramentas de mensagens instantâneas, programas de streaming e serviços de alimentação.

Isso demanda dos trabalhadores inéditas e diferentes habilidades que as instituições de ensino não tinham mapeado. Letramento digital, inteligência socioemocional, cultura baseada em dados, pensamento ágil e mentalidade de crescimento são exemplos que ficam de fora de alguns cursos e estão restritas, no melhor dos casos e de forma limitada, a lugares específicos ou centros de excelência ao redor do mundo.

Agora, as instituições de ensino superior se movem para restaurar o protagonismo, com centros de pesquisa dentro dos campi para entender como implantar, de forma transversal, competências digitais. A necessidade de reinvenção exige velocidade. A ideia de que as faculdades estão no centro de produção e propagação do conhecimento científico continua sendo verdade, principalmente na Engenharia, na Medicina e na Biologia. No entanto, temas relacionados a tecnologia, programação e empreendedorismo foram apropriados pela sociedade em geral.

A popularização da internet deu voz a pessoas que, sem qualquer embasamento acadêmico, se tornaram referência em temas de complexidades diversas. O processo de inovação espontâneo gera questionamentos profundos sobre a capacidade de as universidades manterem o posto de centro de excelência na produção e divulgação do conhecimento. Alguns críticos, inclusive, acreditam que elas estão “distantes da realidade” e “fechadas em seu próprio universo”.

Finalmente, para além do conjunto de funções reconhecidas socialmente – preparação para o mundo do trabalho e produção acadêmico-científica –, um tema mais específico tem pressionado os programas curriculares: as competências e habilidades necessárias ao exercício das “profissões do futuro”, que não encontram eco dentro dessas instituições como linha de formação.

Definidas em diferentes categorias e processos como soft skills, practical skills e functional skills, essas competências fazem parte desse novo portfólio que tem surgido como necessidade curricular e formativa, e também como processos mais ágeis de produção do conhecimento e criação de soluções, todos com nomes conhecidos e facilmente identificáveis no mercado: design thinking, scrum, XP, canvas, kanban e tantos outros criados fora da academia. A aparente dificuldade que o ensino superior vem percebendo é a de como incluir essas novas competências e processos nos currículos dos seus cursos tradicionais, sem comprometer a qualidade científica e acadêmica.

O que percebemos na incorporação desses conhecimentos, bem como adoção de metodologias ágeis para pesquisa e desenvolvimento, é que algumas áreas têm tido mais sucesso em transformar seus modelos (comunicação, marketing, tecnologia da informação). Já outras áreas têm resistido de forma mais intensa. De qualquer maneira, não imaginamos que seja possível qualquer profissional do futuro não ter alguns aspectos dessas habilidades em seu currículo e na sua formação regular.

Nossa conclusão é de que, definitivamente, as instituições de ensino superior precisam se reinventar no curto prazo e ofertar à sociedade uma percepção de valor que vá além de fatores onde já são consagradas. A universidade do presente precisa se tornar a do amanhã. E hoje.

Juliano Costa é vice-presidente de Produtos Educacionais para América Latina da Pearson no Brasil.

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