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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Imagine um pedreiro que começou a trabalhar aos 18 anos de idade. Hoje esse pedreiro tem 48 anos e já contribui com a Previdência por 30 anos. De acordo com as regras atuais, esse pedreiro precisa contribuir por mais cinco anos para se aposentar. Dependendo das regras a serem aprovadas para a reforma da Previdência no Congresso Nacional, pode perfeitamente ocorrer de esse pedreiro ter de trabalhar não cinco, mas sete anos e meio para se aposentar. Um incremento de 50% no tempo de trabalho necessário para obter aposentadoria. Esse não é um sacrifício pequeno.

Agora, imagine um funcionário público com 55 anos de idade que já esteja aposentado e recebendo uma aposentadoria de R$ 30 mil por mês (é isso que se chama de supersalário de alguns aposentados). Sabe o que acontecerá com esse funcionário público aposentado se o governo aprovar todas as suas medidas? Nada! Isso mesmo: por um lado, a reforma da Previdência exige um sacrifício enorme de parcela da população, mas por outro lado deixa intocados funcionários públicos que recebem verdadeiras fortunas de aposentadoria. Isso é moralmente absurdo, para dizer o mínimo.

No Direito Previdenciário, o direito adquirido é intocável. Mas não no Direito Tributário

Ocorre que quem já está aposentado tem “direito adquirido”, ao passo que os que estão para se aposentar possuem apenas “expectativa de direito”. No Direito Previdenciário, o direito adquirido é intocável. Isso implica que nenhuma reforma da Previdência pode tirar direitos de quem já se aposentou. Contudo, não existe direito adquirido no Direito Tributário. Isto é, caberia ao governo propor algum tributo para ao menos cobrar parte do sacrifício da reforma junto aos aposentados que ganham acima de R$ 30 mil por mês.

Sejamos claros: é absolutamente imoral pedir sacrifícios ao pedreiro sem ao mesmo tempo cobrar a cota de sacrifícios de pessoas que se aposentaram com supersalários. Claro que essa é uma discussão jurídica difícil, mas por acaso é fácil pedir ao pedreiro e seus similares que arquem com quase todo o ônus? A reforma da Previdência deve seguir uma regra simples: todos precisam dar sua cota de sacrifício. Não é admissível a questão das superaposentadorias ficar de fora do debate.

Leia também: A Previdência e as perversões das falsas igualdades (artigo de Estefânia Barboza e Karla Knihs, publicado em 29 de abril de 2017)

Leia também:A “reforma possível” será suficiente? (editorial de 21 de abril de 2017)

A mesma discussão feita acima vale para todos os grupos: homens e mulheres, funcionários públicos e privados, civis e militares, trabalhadores urbanos e rurais, todos precisam dar sua cota de sacrifício. Para a mulher se aposentar mais cedo, o homem deverá necessariamente se aposentar mais tarde; para alguns trabalhadores ganharem mais, outros deverão necessariamente ganhar menos. Não existe mágica: no sistema previdenciário atual (que é baseado em um regime de repartição, e não em capitalização individual), o benefício de alguns grupos é pago com o sacrifício de outros.

Sejamos claros: sem uma verdadeira reforma da Previdência o Brasil irá à falência; iremos virar um gigantesco Rio de Janeiro, atrasando pagamentos e prejudicando a vida de milhões de trabalhadores e contribuintes. A reforma da Previdência é urgente e é necessária. Contudo, é fundamental que toda a sociedade seja chamada a contribuir para a resolução desse problema. Inaceitável que, enquanto milhões de pobres paguem por tal ajuste, uma camada de iluminados seja preservada e passe incólume por esse processo.

Adolfo Sachsida, doutor em Economia, é autor de “Fatores determinantes da riqueza de uma nação” e “Considerações econômicas, sociais e morais sobre a tributação”.

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