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O debate sobre a reforma política, embora profícuo, deve voltar-se não apenas às proposições, mas sobretudo aos efeitos que causam ao complexo sistema eleitoral.

No campo das experiências está a fidelidade partidária, inventada pelo Poder Judiciário em 2007 para conter a volatilidade dos representantes, e que teve como efeito a multiplicação de partidos com representação no Congresso Nacional, pois a criação de agremiações foi uma das “brechas” ditadas pelo próprio Judiciário.

Mudanças drásticas no sistema político e eleitoral devem ser refletidas com mais vagar

No contexto das alternativas prospectivas, mas já experimentadas, figura a alteração do sistema eleitoral de proporcional para distrital, distrital misto ou “distritão”, que ignora o prejuízo que causaria ao chamado índice Gallagher, relativo ao grau de correspondência entre os votos depositados nas urnas e os políticos eleitos. Segundo recente pesquisa de Márcio Carlomagno (UFPR), a adoção de tais sistemas poderia culminar em distorção quatro vezes maior que a já verificada, com uma perda significativa da representatividade do sistema.

Os dois cenários demonstram que ainda devemos aprender com as experiências, em que alterações legislativas responderam a desejos reformistas e imediatistas de mudanças eleitorais sem a real noção sobre quais seriam suas consequências.

O caso da Lei da Ficha Limpa é emblemático nesse sentido. Apresentada como medida moralizadora e que afastaria os maus políticos da vida pública, teve, até agora, parcos efeitos práticos. Recente pesquisa de Guilherme de Abreu e Silva (UFPR), orientada pelo cientista político Emerson Cervi, demonstrou que grande parte das impugnações nas eleições de 2012, correspondeu a hipóteses que já existiam. De todos os candidatos que dela foram alvo, apenas 35% deles deixaram de disputar o pleito, o que denota que a maioria continuou a participar normalmente. Outras modificações substanciais tiveram pouca influência, como no caso da incidência da lei para candidatos condenados por órgão colegiado nos tribunais, sem trânsito em julgado, que alcançou apenas uma pequena parcela dos candidatos, notoriamente de pequenos municípios.

Ainda, os dados da pesquisa mostram que o perfil majoritário do candidato “ficha suja” é daquele que teve recorrentes passagens pela administração pública e que costuma disputar eleições frequentemente, o que destoa das ampliações promovidas pela lei, com a inserção de inelegibilidades específicas de classe a fim de abranger candidatos alheios à rotina da política e da competição eleitoral, como profissionais liberais e servidores públicos. Novamente, conclui-se pela divergência entre os efeitos pretendidos e os obtidos.

A baixa eficácia da lei aliada às consideráveis restrições aos direitos políticos e, portanto, de garantias fundamentais, e às ofensas aos princípios elementares do Estado de Direito, reforçam a conclusão de que mudanças drásticas no sistema político e eleitoral devem ser refletidas com mais vagar. Aviso: pior que está, sim, fica.

Guilherme de Abreu e Silva, advogado, é mestre em Ciência Política pela UFPR. Eneida Desiree Salgado é professora de Direito Constitucional e Eleitoral da UFPR.
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