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O governo Lula baixou, com o decreto n.º 6.096, no dia 24 de abril de 2007, uma verdadeira reforma universitária. A sociedade brasileira vem acompanhando desde a década de 1980, período da ditadura militar, as inúmeras tentativas de reforma universitária para adequar o Brasil à nova lógica neoliberal, cuja estratégia central é manter os países periféricos como mercados consumidores das economias capitalistas centrais, onde deve ser produzido o conhecimento e as tecnologias a serem exportadas para os demais mercados globalizados.

Logo, pelos documentos do Banco Mundial sobre educação no terceiro mundo, o argumento central é que os cursos superiores nesses países são muito dispendiosos para os Estados que devem priorizar o ensino fundamental. Para as agências internacionais de financiamento à educação no terceiro mundo, não têm sentido a pesquisa nas universidades, cabendo às mesmas apenas a difusão do saber produzido nos centros de pesquisa e desenvolvimento sediados nos países sedes das empresas multinacionais.

A partir desse diagnóstico, impõem para o financiamento à educação no terceiro mundo o modelo de universidade de formação profissional mais aligeirada para atender ao mercado de trabalho, com diminuição da grade curricular, encurtando a graduação para 2.400 horas, com um diploma intermediário, dificultando o acesso à formação acadêmica, voltada à pesquisa e difusão do conhecimento científico e tecnológico.

O decreto 6.096, que instituiu o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), impõe esse novo modelo de universidade. O decreto, ao acenar com mais recursos para a expansão do ensino superior, impõe uma profunda reforma nas universidades federais brasileiras. Ou seja, obriga as mesmas a aumentarem em 20% o número de alunos e o índice de aprovação deve ser de 90%. Introduz ainda uma alteração na carreira docente com o professor equivalente, que é um professor precarizado que não terá os mesmos direitos dos professores que estão na atual carreira docente, com um regime de 40 horas semanais, com dedicação exclusiva, voltados ao ensino, pesquisa e extensão, na graduação e pós-graduação. Isto se impôs pela simples razão de que, aumentando em 20% o número de alunos, não permite aumentar na mesma proporção o número de professores do atual regime de trabalho nas universidades federais.

A lógica desse decreto é transformar o ensino superior federal em "escolões" de 3.º grau, como é hoje a maioria absoluta das instituições privadas de ensino superior. Todos nós sabemos como se deu a destruição do ensino médio público brasileiro. Ampliou-se a oferta de vagas com a universalização do acesso e não deu ao mesmo tempo as condições de expansão física e da força de trabalho docente e de técnico-administrativos para poder garantir a qualidade dessa justa reivindicação da sociedade e das camadas mais pobres ao ensino público de qualidade.

Essa é a mesma política que querem implantar para o ensino superior federal no país. Se for implantado esse decreto, autoritário, pois não foi precedido de um amplo debate com a sociedade, teremos em menos de uma década o que é o ensino fundamental em nosso país, como é saúde pública que foi corretamente universalizada com a Constituição de 1988, porém sem recursos para garantir essa universalização está hoje um caos, com médicos e servidores ganhando salários miseráveis, tendo que trabalhar em vários empregos para sobreviver, não podendo oferecer assim um serviço de saúde de qualidade à maioria da população. A universidade pública caminha para o mesmo rumo. Os professores cada vez mais estão se dedicando às consultorias, cursos pagos ilegais dentro da própria universidade pública, em detrimento da graduação gratuita, com queda de qualidade, ferindo o artigo 208 da Constituição Federal, que determina que em instituições públicas o ensino tem que ser gratuito.

E os reitores e Conselhos Universitários, em vez de lutar por melhores salários para docentes e técnico-administrativos, aprovam nos colegiados superiores os cursos pagos que afrontam a Constituição de 1988, que determina que em estabelecimentos públicos o ensino tem que ser gratuito. O mais grave, o Ministério Público somente agora está acordando para essa violação constitucional e as Faculdades de Direito não ensinam aos seus alunos que essa violação está ocorrendo dentro das próprias universidades públicas, muito pelo contrário, os seus dirigentes aprovam a implantação desse decreto autoritário.

Com a adesão passiva que o governo federal impõe com esse decreto autoritário do Reuni aos Conselhos Universitários das universidades federais, legitima esse modelo de reforma universitária destrutivo da Universidade Pública Brasileira. Autoritário porque simula uma democracia que não existe, onde as condições de adesão não são passíveis de negociação.

Se os reitores e os Conselhos Universitários não enfrentam o governo federal, a comunidade universitária brasileira está dando uma lição de democracia e cidadania, ao resistir, das mais diversas formas, a mais essa tentativa de destruição da universidade pública brasileira. Só nos enchem de orgulho os estudantes, professores e servidores técnico-administrativos que enfrentam a ditadura do decreto para garantir as gerações futuras a expansão da universidade pública com qualidade para todos os brasileiros.

Lafaiete Neves é doutor em Desenvolvimento Econômico pela UFPR, professor aposentado da UFPR e professor do mestrado em Organizações e Desenvolvimento da Unifae.

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