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É assim mesmo. Reformas tributárias. No plural. Os brasileiros padecem deste mal crônico há décadas. Fala-se e propala-se, nas hostes fazendárias federal, estaduais e municipais, que agora sim, temos a verdadeira reforma tributária. Os políticos ganham votos com a falsa notícia. Os contribuintes (aliás, eleitores) pagam a conta, pois reforma tributária é, sempre (remarque-se: sempre) uma forma de aumentar a carga tributária, ainda que indiretamente, ou seja, por via de impostos indiretos, embutidos nos preços dos produtos e serviços. Aliás, esta é a forma preferida dos nossos políticos, pois o eleitor (rectius, contribuinte) sequer se dá conta de que está pagando mais tributos. Acha que o comerciante é que aumentou a sua ganância quando, na verdade, o lucro é do Estado (rectius, dos políticos).

A crítica (um tanto ácida, é verdade) não é gratuita nem intempestiva. É que, após décadas ouvindo nefelibatas em estado de obnubilação (nossos políticos anunciando mais uma reforma tributária), o contribuinte brasileiro merece ter vez e voz, e ser consultado antes de qualquer aumento de carga tributária, mesmo que dissimulada pela via indireta.

Veja-se um exemplo; o governo federal aumentou o IPI dos cigarros. Muito bem, dirão alguns, é coisa ruim para a saúde, nada essencial à vida humana; portanto os beócios fumantes que paguem mais caro pelo vício. A questão, contudo, não é esta. Se a crise afetou a arrecadação federal (e parece que bem fortemente), o Estado tem de diminuir de tamanho, ou seja, as despesas do governo devem diminuir e não aumentar a arrecadação, ainda que sobre os cancerígenos cigarros. Porque isto? Por que mexer com tributos é algo passional. Por causa deles reis foram mortos, guerras foram perdidas ou ganhas. Margareth Thatcher e seu ministério caíram (por causa do pool tax). Ronald Reagan reelegeu-se (por causa do Imposto de Renda regressivo para as empresas mais eficientes). Enfim, os tributos podem não ser a alma do Estado (para muitos, desde Jean Bodin, esta é a soberania), mas é certo que ainda exerce fascínio sobre os políticos, porque é a "menina dos olhos" do exercício do poder. O Coliseu foi erguido à custa de pesados tributos. O Versailles também. Interessante, aqueles regimes ruíram. Veio a democracia, o escrutínio secreto e universal e vários instrumentos que fazem valer a cidadania (ação popular, por exemplo). Mas o que se vê hoje é o uso da democracia para escamotear o apaixonante poder de exaurir os bolsos do contribuinte. Sem qualquer cerimônia, nossos tributaristas de plantão sempre encontram uma forma de melhorar os números da arrecadação. Jactam-se de terem obtido resultados fantásticos, mas não comentam e nem declaram como exatamente isto ocorreu. As notícias na imprensa são vagas e não dão conta de que o brasileiro já praticamente esgotou a sua capacidade de pagar tributos.

Ilusão imaginar que teremos, em futuro próximo, uma autêntica reforma tributária no Brasil. Pelo caminhar dos fatos, é muito mais provável que continuemos com os remendos de sempre: uma renúncia fiscal aqui; um aumento de tributos acolá. Coisas que andam sempre juntas, como uma parelha de bois.

Mas como o brasileiro é movido a esperança, a trilha a percorrer é a seguinte: reforma tributária só sai do papel se os nossos políticos se dignarem a rediscutir o pacto federativo. Lembrando que a federação brasileira é sui generis, porque aqui no pindorama os municípios também têm poder de impor tributos, o que somado ao poder tributário dos Estados e da União Federal gera uma parafernália ininteligível até mesmo para o mais arguto estudioso de tributação. São vários tipos de tributos (impostos, taxas, contribuições etc.), que se sobrepõem uns aos outros, não raro incidindo em cascata, formando uma teia cruel da qual não escapada um vivente deste país.

Também não sairá reforma tributária se não for regulamentado o § 5º do art. 150 da Constituição Federal, editando-se lei para que "os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços". A Constituição cidadã já fez 20 anos e nossos políticos teimam em esquecer este assunto. A verdade é uma só e muito simples: quem não sabe qual e quanto imposto paga, não sabe exigir mudanças. Portanto, a manter-se o contribuinte brasileiro na mais absoluta ignorância tributária, como se faz há séculos neste país, o que se pode esperar é a mesma mansidão bovina daqueles que pagam a conta. Portanto, reforma tributária para otimizar o sistema tributário continua longe de cogitação.

Sem a pretensão leviana de ser a voz do contribuinte brasileiro, creio que seria um bom começo se aqueles que conhecem um pouco da tributação brasileira iniciassem um movimento em nosso país, falando e escrevendo sobre o tema, para alertar os contribuintes sobre as maldades tributárias que vertem das leis e regulamentos fiscais (e eventualmente até de algumas bondades).

Enfim, está na hora de começar a mudar este país, o que depende de nós, contribuintes. Começando por não permitir que nos tratem de "eleitores". Somos, todos nós, isto sim, contribuintes e pagamos muitos impostos, a maioria deles embutida nos preços dos produtos e serviços que consumimos todos os dias. Pagamos a conta e, portanto, temos o direito de exigir que os nossos representantes discutam com seriedade uma reforma tributária digna dos nossos interesses em pagar menos impostos e ter um Estado mais eficiente e menos perdulário.

Reinaldo Chaves Rivera é professor titular de Direito Tributário da Faculdade de Direito de Curitiba – UniCuritiba. Advogado especializado em Direito Tributário.

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