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A submissão da República ao poder re­­ligioso corrompe a República e cor­­rompe a religião porque a torna sequiosa de poder, tão iníqua e tão ímpia quanto a barbárie

"Não tomarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão; porque o Senhor não terá por inocente aquele que tomar o seu nome em vão."

Ninguém é inocente, todos são culpados por invocar o Todo Poderoso falsa e inutilmente nesta infame cruzada eleitoral. O 3.º mandamento do Velho Testamento está sendo pisoteado e brutalizado pelos candidatos, pelos marqueteiros e, principalmente pelas confissões religiosas que os estão chantageando para garantir uma eterna hegemonia.

Serão punidos para sempre porque o país está sendo obrigado a comprometer-se com algo do qual jamais poderá livrar-se: a teocracia. A submissão da República ao poder religioso corrompe a República e corrompe a religião porque a torna sequiosa de poder, tão iníqua e tão ímpia quanto a barbárie.

O pecado inicial foi cometido por José Sarney quando insistiu com os Constituintes – bazófia que lembra com frequência – para encaixar na frase final do Preâmbulo a armadilha da "proteção de Deus". Deus vingou-se (como prometeu no texto bíblico) e fez da Constituição-Cidadã uma esgarçada colcha de retalhos que não consegue garantir o Estado Democrático de Direito nem a isonomia e ainda privilegia o negócio da religião – bezerro de ouro mais rentável de todos os tempos.

A histeria religiosa dos últimos dias lembra a Santa Inquisição que vigorou no Brasil de 1536 a 1821 com a consagração das delações contra aqueles que não se persignavam corretamente, não rezavam o Padre Nosso inteiro, nem comungavam. Não gostamos de lembrar que o Santo Ofício mandou prender no Brasil e julgou em Lisboa cerca de 500 pessoas por crimes religiosos e destes executou 20 em Autos da Fé públicos. Dois deles queimados vivos, os restantes garroteados. A justiça secular aceitava estas execuções e para validá-las lá estava o Rei assistindo aos demorados rituais até a madrugada.

Quando em 2008 o presidente Lula aceitou ir a Roma para assinar em surdina e à sombra uma Concordata com o Vaticano cometeu um erro político que enterrou o resto de laicismo que sobrara no Estado brasileiro. Acompanhado pela primeira-dama e pela então Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, o presidente imaginou que poderia manter em sigilo um tratado entre dois estados e quando este começou a tramitar no Legislativo ficou claro que o catolicismo tornara-se a religião preferencial. As confissões luteranas incomodaram-se, mas para sossegar as insaciáveis bancadas evangélicas ofereceram-se vantagens traduzíveis em moeda sonante.

Agora veio a cobrança: querem da eventual sucessora de Lula uma série de compromissos que antagonizam princípios caros aos PT, sobretudo na esfera dos Direitos Humanos. Querem o esvaziamento do PNDH-3, querem manter as concessões de rádio e tevê a parlamentares evangélicos no exato momento em que o governo estuda uma revisão da Lei do Audio­­visual para desconcentrar a mídia.

O Brasil está incubando uma Ku-Klux-Klan tão implacável e perniciosa quanto a americana. Com o agravante de incorporar as venerandas tradições inquisitoriais do catolicismo ibérico. A perseguição movida pela extrema-direita clerical na Espanha ao juiz Baltazar Garzon como punição por desencavar os crimes do franquismo mostra o poder desta caricata religiosidade.

Trazer Deus para a imunda fossa eleitoral é uma agressão àqueles que procuram na crença religiosa um refúgio espiritual. Invocar Deus com tanta desfaçatez num cenário onde tão poucos têm a Consciência Limpa é deixar ao Brasil do futuro uma herança maldita da qual jamais se livrará.

Alberto Dines é jornalista.

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