Entre as tantas metáforas para o diálogo entre religião e ciência, como as de “dois livros”, “olhos e pernas” ou “pontes”, a imagem da “embaixada” chama a atenção para a incontornável dimensão política da tarefa. Mas é necessário?
Não faltarão vozes para questionar a viabilidade de tal “diplomacia”; alega-se que religião e ciência seriam discursos intrinsecamente independentes, como defendeu Stephen Jay Gould com sua tese dos “magistérios não interferentes”; ou que a religião seria mera ilusão com a qual não deveríamos perder tempo, exceto em refutações. Mas as pessoas comuns continuam “perdendo tempo” com a religião, no entanto, e promovendo interferências entre esses dois magistérios, tanto quanto sempre o fizeram.
Em O s usos sociais da ciência, Pierre Bourdieu recorre à sua noção de “campo social”, como um universo ou mundo social envolvendo agentes, instituições e capitais próprios, e que obedecem a leis sociais específicas, para explicar socialmente a ciência. Assim como há o campo artístico, o jurídico ou o literário, haveria o “campo científico” e, acrescentaríamos, o campo religioso.
Esses campos são, sim, mundos sociais relativamente independentes; mas não são e não podem ser estanques, e sua mutabilidade garante que sobreposições ocorram. Não é que não possamos refletir normativamente sobre seus limites; mas que tal reflexão diz respeito não apenas à integridade de cada campo, mas à integração pessoal dos indivíduos que participam de ambas as comunidades, e à sua posição e função no conjunto da sociedade, com todas as implicações políticas disso.
Como integrar fé e ciência sem comprometer a identidade cristã?
Tendo em mente o meu próprio contexto cristão, discirno ao menos três desafios comunicacionais e diplomáticos. Em primeiro lugar, eu levantaria o problema antigo da tensão entre conservadores, às vezes pejorativamente denominados “fundamentalistas”, e progressistas ou “modernistas”, tanto no catolicismo quanto no evangelicismo, e suas posturas conflitantes na resposta à modernidade e à ciência. A questão é: como integrar fé e ciência sem comprometer a identidade cristã?
O segundo desfio diz respeito ao diálogo propriamente dito entre a comunidade científica e a religiosa. Têm as igrejas recursos intelectuais e pastorais para compreender e respeitar a lógica interna de cada campo/mundo social e da ciência em particular? Ou melhor: como as igrejas podem construir uma relação com as comunidades científicas de modo a explorar as porosidades sociais naturais, mas sem comprometer a autonomia e vitalidade interna dessas comunidades?
Finalmente, temos a questão mais dolorosa: a dos usos políticos da ciência. Não faltam exemplos históricos, como o de Thomas Huxley construindo a consciência profissional da comunidade científica por meio de uma oposição à religião; ou da rejeição soviética, liderada por Lysenko, da “genética ocidental”; ou do emprego de argumentos científicos sobre a saúde pública visando reformas progressistas na ética sexual. O diálogo é necessário, nesse caso, para iluminar e avaliar a sobriedade de tais usos, que não são necessariamente ruins, mas que podem ser unilaterais e injustos.
Não há respostas simples a esses desafios, mas as providências imediatas me parecem óbvias: precisamos de embaixadores entre essas comunidades.
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