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Um padre quando ordenado passa a agir "in persona Christi" ("na pessoa de Cristo", em latim), de acordo com a doutrina da Igreja Católica. Para agir "in persona Christi" supõe-se assumir o estilo de vida e entrega segundo Jesus de Nazaré. Encontramos nos Evangelhos alguns modelos de consagração: “Eu vim para servir”, "Renuncie a si mesmo", “O Bom Pastor dá a vida por suas ovelhas”. Assim Jesus se autodefine e caracteriza a sua missão, bem como a de seus seguidores. Tais frases demonstram o ideal de entrega pelo Reino de Deus. Ao longo da vida, porém, muitos padres e religiosos/as consagrados/as são tocados não apenas pela mística do chamado e pela beleza da vocação, mas também pelos desafios inerentes à natureza humana, que não podem ser ignorados. Sim, um ministro religioso está sujeito a tudo aquilo que atinge a vida humana.
Isso porque a vocação à Vida Religiosa Consagrada e Presbiteral é caracterizada pela doação total ao outro. Doação esta que implica o envolvimento pastoral e emocional no exercício do cuidado. Torna-se, então, essencial cuidar dos cuidadores. Aquele que cuida também precisa ser cuidado. Em se tratando da saúde mental, o melhor caminho é sempre o preventivo.
Ainda existe a ideia de que o adoecimento psicológico esteja ligado à falta de fé, por exemplo. Como se houvesse a ideia de que “por estarem mais próximos de Deus” os religiosos estão imunes do sofrimento psíquico
Entre as tantas atividades cotidianas que o padreou o/a religioso/a consagrado/a tem para fazer, precisa encontrar tempo para o cuidado pessoal, o cultivo espiritual, o exercício físico e uma alimentação adequada. O mais importante, no contexto eclesial, é aprender a cuidar uns dos outros. Os casos de depressão e outras alterações na saúde mental são cada vez mais comuns entre os padres e os/as religiosos/as consagrados/as. Nos últimos 10 anos as pesquisas e a prática clínica nos revelam o aumento na preocupação com a saúde mental no contexto eclesial brasileiro: os casos de suicídio, os preocupantes níveis de Burnout, o aumento na incidência das psicopatologias etc. Tudo isso indica que é preciso falar sobre o assunto.
No entanto, o tema ainda é um tabu! Ainda existe a ideia, amplamente difundida entre os fiéis e até mesmo no contexto eclesial, de que o adoecimento psicológico esteja ligado à falta de fé, por exemplo. Como se houvesse a ideia de que “por estarem mais próximos de Deus” os religiosos estão imunes do sofrimento psíquico. E a realidade nos mostra que existe o sofrimento psicológico entre eles.
O jornalista Rafael Pierobon, em uma entrevista publicada no site do Vaticano, enfatizava sobre a importância de lançar luz e conscientizar a sociedade sobre a saúde mental e emocional entre os padres e os/as religiosos/as consagrados/as. Um ponto nos parece certo: a falta da saúde mental entre os padres e os/as religiosos/as consagrados/as pode conduzir a outras crises, entre as quais elencamos: a crise vocacional, a crise existencial, a solidão, os conflitos interpessoais , a desmotivação etc.
Mas, o que conduz ao adoecimento psicológico no contexto eclesial? A busca pelas causas depende muito do quadro psicológico e da história de vida de cada religioso/a consagrado/a ou padre. O importante é buscar ajuda profissional (psicólogo ou psiquiatra) desde os primeiros sintomas ou sinais que nos causam estranheza comportamental.
As Dioceses e as Congregações Religiosas aos poucos estão ficando mais atentas à saúde mental dos padres e dos/as religiosos/as consagrados/as. Porém, é preciso entender que não basta cuidar somente quando se tem um diagnóstico. Necessita-se avançar na direção da prevenção às psicopatologias e da promoção da saúde mental, isto é, agir antecipadamente. As várias campanhas de conscientização buscam romper com os estigmas que segregam e impedem o cuidado adequado com a saúde mental e emocional. E isto também serve para os contextos formativos da vida religiosa consagrada e presbiteral.
Atualmente não resta dúvidas de que o padre, o/a religioso/a consagrado/a que está bem consigo mesmo vai servir melhor ao Reino de Deus e vai estabelecer relações saudáveis. Enfim, o cuidado com a saúde mental qualifica o ministério presbiteral e a consagração religiosa. O ideal seria aprender a cuidar de si para cuidar bem dos outros. Talvez esta seja uma regra para o bem-estar humano e vocacional.
Vagner Sanagiotto é frade carmelita, escritor, psicólogo, doutor em psicologia pela Pontificia Università Salesiana (Roma, Itália). Desenvolve pesquisas na área da psicopatologia na Vida Religiosa e Presbiteral.



