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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

A lei que dispõe sobre o divórcio, ainda que parcialmente em vigor, completa 40 anos. De lá para cá, o mundo, a família e a sociedade mudaram. Até o sexo e o casamento: de repente, surgiram muitos homens aprisionados em corpos de mulheres e vice-versa, e os gays e lésbicas estão muito mais entusiasmados para casar que o restante dos indivíduos. Tempos modernos, como já dizia o Paul Johnson.

O divórcio, no começo, surgiu como uma espécie de último recurso ou uma exceção, por se estimar a indissolubilidade como regra geral de qualquer casamento. Era necessário invocar um motivo grave para se justificar o divórcio, como uma violação dos deveres do casamento, a ser manejada pelo cônjuge não culpado.

De uns anos para cá, sobretudo com a Emenda Constitucional 66/10, a legislação começou a considerar o divórcio como um fato não culpável. O divórcio deixou de ser uma espécie de sanção e assumiu as formas de “remédio” e “falência”, em ambos os casos baseados na impossibilidade objetiva de se manter a convivência conjugal.

O divórcio deixou de ser uma espécie de sanção e assumiu as formas de “remédio” e “falência”

O que era solução extraordinária para os casamentos mal-sucedidos passou a ser pensado como um modo de se suavizar a ruptura, sem qualquer referência aos comportamentos dos cônjuges. Na prática forense, bastava a petição de um dos envolvidos.

Para a turma mais afoita, isso não era suficiente: chegou-se a concluir que a separação tinha desaparecido do mundo jurídico, até que as cortes superiores corrigiram esse excesso hermenêutico. O “divórcio com culpa” transformou-se em “divórcio sem culpa”, uma espécie de direito potestativo, algo que, na prática, conduz a privar de qualquer valor o liame matrimonial.

O efeito imediato dessa mudança foi sentido pela matemática. As estatísticas relativas aos índices de divórcios não só aumentaram como, a cada ano, batem recordes sucessivos. Afinal, por que continuar com a minha grama se a do vizinho é mais verdejante?

Se o casamento virou um arranjo utilitário ou libertário, não é melhor reconhecer que somos um bando de individualistas refratários ao compromisso e acomodar a legislação familiar a esse dado empírico? Chega de defender uma opressiva submissão patriarcal da mulher ou de impor convicções religiosas por meio da lei, não é?

O legado é positivo:Vitória da liberdade (artigo de Ricardo Calderón, mestre e doutor em Direito)

Essas hesitações, sem prejuízo de outras mais céticas e mesmo pessimistas, conduziram-nos àquilo que chamamos de cultura do divórcio, desencadeada pela lei e imposta progressiva e suavemente por meio de romances, manuais de urbanidade, filmes, séries televisivas e até postais de felicitações.

Rumamos do “divórcio com culpa” para o “divórcio sem culpa”, e deste em direção ao “divórcio como experiência individual”, uma espécie de rito de passagem para a maturidade vital: o impacto do divórcio no âmbito filial deu lugar ao impacto do divórcio somente no mundo interno do eu. Em outras palavras, o divórcio veio a ser uma vivência subjetiva, regida exclusivamente pelas necessidades, desejos e sentimentos do indivíduo.

Desde então, o casamento passou a ser o reino fértil da exploração das potencialidades do eu, liberto de qualquer missão ou sentido de compromisso a dois. O importante, nessa nova visão de divórcio, é acentuar a qualidade e o conteúdo da dimensão egoica por cima dos vínculos conjugais e filiais. Em suma, chegamos ao limite: é hora de se repensar o divórcio.

André Gonçalves Fernandes, Ph.D., é juiz de direito, professor-pesquisador e membro da Academia Campinense de Letras.
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