• Carregando...

Há dias, o diplomata francês Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), declarou a suspensão do processo negociador iniciado há quase cinco anos. Após vários meses de tentativas infrutíferas de alcançar concessões das principais potências do comércio internacional – Estados Unidos e União Européia –, os negociadores se renderam ao desânimo quanto à possibilidade de resultados concretos no curto prazo.

Antes de qualquer julgamento de valor quanto ao impacto desta suspensão, sobretudo para os interesses brasileiros, é importante recordar qual o papel dessas negociações e quais são as perspectivas, no futuro próximo, para o sistema multilateral do comércio. Afinal, foi só em 1995 que a OMC foi criada, ao final da denominada Rodada Uruguai de negociações multilaterais. O acordo previa que, em cinco anos, este sistema seria revisado, incorporando plenamente ao sistema alguns setores econômicos ainda protegidos, como o setor agrícola. Uma agenda para esta revisão somente foi alcançada numa conferência ministerial no final de 2001, em Doha. Na ocasião, a agenda foi generosa em incluir temas sobre desenvolvimento e promessas de que os interesses dos países mais pobres seriam atendidos.

Desde então, as negociações vêm derrapando em intransigências e artimanhas de todos os países envolvidos nas negociações, sem qualquer evolução substancial, e com a perda de todos os prazos inicialmente previstos. O nó irresolúvel sempre é a agricultura, empacada pela resistência de europeus e norte-americanos em reduzir seus subsídios indecentes. Este impasse acaba por impedir que negociações em outros temas também importantes, como defesa comercial e a revisão do mecanismo de solução de controvérsias, tenham alguma chance de progredir.

A situação é ainda mais melancólica em razão do prazo para retomar as negociações. A autorização negociadora do presidente norte-americano (Trade Promotion Authority) expira em junho do ano que vem, e obter nova autorização será tarefa do presidente a ser eleito. Da mesma forma, eleições na Europa e em outros países importantes (como o Brasil) acabam suspendendo as condições políticas para comprometimentos multilaterais.

Numa análise realista, é possível que os países membros da OMC concordem, até o final do ano, em aprovar propostas mínimas da pauta de negociações. Isto evitará o custo político de reconhecer a frustração de seus esforços, mas que pouco significará, em termos de acesso mais eqüitativo ao mercado internacional.

Apesar do que ingenuamente acreditam os grupos antiglobalização, isto está longe de ser uma vitória dos países em desenvolvimento. Significa, ao contrário, que um sistema comercial injusto é que continuará a vigorar, em detrimento dos bens exportados por países altamente competitivos. Significa, ao mesmo tempo, que as negociações podem se transferir para a esfera regional e bilateral, onde o poder de barganha individual dos países em desenvolvimento é bem menor. Significa, por fim, que muitos conflitos pendentes não serão resolvidos por negociação, e sim pelo litígio perante o Órgão de Solução de Controvérsias, onde a decisão nem sempre é mais favorável aos mais pobres.

Num mundo que vem se tornando perigoso, o enfraquecimento do multilateralismo sempre é má notícia para a cooperação internacional. O ressurgimento do protecionismo mitiga as vantagens do comércio, e coloca em risco a legitimidade dessa cooperação.

Welber Barral é professor de Direito Internacional Econômico (UFSC), membro da lista de árbitros dos procedimentos de solução de controvérsias do Mercosul e da OMC e diretor do IRI (Instituto de Relações Internacionais).

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]