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Encerradas as eleições, apontados os eleitos e feitas as contas de perdas e ganhos, têm início as propostas de mudanças e a retórica desabrida de construções oportunistas que fazem parte das utopias e devaneios de palanque.

Nos últimos dias, a mídia tem registrado a pretensão de alguns governadores vitoriosos de alterar a Lei de Responsabilidade Fiscal com o objetivo de ampliar o nível de endividamento de estados e municípios e assim permitir maior elasticidade na política de investimentos. E o que é preocupante: com o beneplácito do presidente da República, que já teria autorizado sua equipe a negociar com os eleitos a alteração dessa lei.

Sem discutir o mérito do estoque da dívida pública, que é secular, sempre crescente e, na maioria dos casos, decorrente da falta de bom planejamento, modificar agora a Lei de Responsabilidade Fiscal constituirá, no mínimo, retrocesso inadmissível e caminho fértil para a desestabilização do equilíbrio das contas governamentais. Nos últimos seis anos, essa lei provocou radical transformação na forma de conduzir a administração. Ela sepultou a trajetória histórica de improvisação, introduziu a gestão fiscal responsável, sedimentou a ação planejada e sinalizou com clareza os caminhos da correção das aleatoriedades capazes de afetar a boa gestão dos negócios públicos. E é exatamente por isso que não pode servir de moeda de troca entre titulares de níveis de governo. Decentemente, documento algum provocou tanta correção de rumo na administração pública quanto a Lei de Responsabilidade Fiscal, superando em muito a Lei n.º 4.320, de 1964, que estatui normas de direito financeiro e o Decreto-Lei n.º 200, de 1967, que trata da Reforma Administrativa Federal. Ao atingir, sem exceção, os órgãos públicos dos diferentes níveis governamentais, ampliou substancialmente os mecanismos de controle, de normas de conduta e de transparência, num importante processo de transformação das práticas cartoriais, da discricionariedade e da irresponsabilidade fiscal tão presentes na gestão pública. Ao introduzir os conceitos de receita corrente líquida, de limites para a dívida, de execução orçamentária e financeira, riscos fiscais, seguridade e outros, definiu normas procedimentais para a melhor condução do Poder Público.

Por conseguinte, longe de alguns governadores pleitearem construções perigosas de criação artificial de recursos, é preciso ter presente dois princípios básicos da Lei de Responsabilidade Fiscal: cada governante tem que caber dentro de seu mandato e só é possível gastar o que for arrecadado.

O tempo das opções já se escoou. O administrador do novo milênio deve estar comprometido com a imaginação criadora, a formulação de políticas públicas exeqüíveis originárias das legítimas demandas da coletividade e dos projetos de desenvolvimento. Deveras, se apresentam como imediatas a reestruturação das transferências voluntárias para programas e ações sociais dos municípios, o aumento de um ponto percentual do repasse do FPM, a aprovação do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica, que ampliará a incursão do governo na área educacional, e a alocação rápida de recursos para habitação e saneamento, o que provocará reflexos no índice de desenvolvimento humano.

Enfim, o que se quer, como exigência dos novos tempos, é um Poder Público atuante, subordinado à responsabilidade fiscal e aos interesses da comunidade.

Daí ser prudente que os administradores adquiram a consciência de que o aumento da capacidade de investimento não está necessariamente vinculado à constituição de novas dívidas. O que aumenta a capacidade de investimento é o rigoroso cumprimento da meta de controle dos gastos públicos. Afastado disso, é ferir o sentimento ético exigido pela cidadania.

Rafael Iatauro é advogado, secretário-chefe da Casa Civil e conselheiro aposentado do Tribunal de Contas do Paraná.

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