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O Brasil possui intensa história constitucional, não só quantitativa (sete constituições, muitas emendas e reformas), mas também qualitativa. Temos as mais variadas experiências, que vão desde o poder Moderador do imperador e o parlamentarismo do Ato Adicional de 1961 – passando pelas constituições semânticas de 1937 e 1969 (amontoados de palavras sem aplicação prática, escritas para legitimar o exercício autoritário do poder). A Constituição promulgada em 1988 já recebeu 57 emendas e mais seis emendas de revisão. Logo, tarimba é o que não nos falta.

Mas para que serve uma constituição e por que ela muda tanto? A constituição é a tradução jurídica do equilíbrio político de determinada nação. As variações político-sociais e a evolução dos tempos refletem no texto constitucional, que se presta a disciplinar ao menos três matérias: os direitos dos cidadãos e respectivas garantias; o exercício das competências públicas; a estrutura e organização dos poderes do Estado. Pois ultimamente alguns desses temas têm movimentado a agenda dos constitucionalistas. Trata-se da recente reforma política a se implementar na Constituição brasileira.

A reforma política hoje debatida trata de variados assuntos: direitos políticos e seu exercício; incremento da democracia direta; extinção do Senado; financiamento de campanhas; reeleição; fidelidade partidária; suplência; votação em lista; restrição a pesquisas eleitorais; competências do presidente; etc. etc. Falar-se em reforma política produz essa multiplicidade de matérias sem uma fina articulação prévia, o que importa a instalação de dificuldades – dentre elas, a complicação de se polemizar tantos assuntos ao mesmo tempo. Em vista disso, cogita-se da instalação de assembleia constituinte exclusiva, a ser eleita concomitantemente nas próximas eleições. Elegeríamos presidente, governador, senadores, deputados e os constituintes da reforma política. Há proposta de emenda constitucional nesse sentido (PEC 384/2009).

A PEC 384/2009 implicaria a eleição de uma assembleia constituinte revisional com competência limitada (restrições subjetivas, materiais e cronológicas). Os constituintes só exerceriam essa função e não poderiam concorrer, em 2010, a qualquer outro cargo eletivo. Seria revista "apenas" a temática dos direitos políticos; partidos políticos; Poder Legislativo e Poder Executivo. (O que lembra Camões e o seu "mais mar houvesse, mais teriam navegado".) O prazo também é certo: oito meses, nem um dia a mais. Não parece haver dúvida quanto à boa intenção do projeto – e ponto final.

Infelizmente, as boas intenções, unidas à limitação material e cronológica, não fazem boas constituições. Apesar de sua importância, a revisão política circunstancial e pronta-para-levar é avessa à ideia de assembleia constituinte. O Brasil de outros tempos já teve más experiências nesse sentido (pense-se na Constituição de 1967 e nas pífias seis emendas da revisão de 1994). Mais ainda: o debate a propósito de leque tão amplo de temas não pode nascer de mãos atadas. Por exemplo, como se discutir com data marcada os poderes da Presidência da República? E o que se dizer do Poder Legislativo (incluindo-se aí os Tribunais de Contas)? Claro que se supõe que os trabalhos sejam céleres, realizados por pessoas prestigiosas e sem pressões políticas indevidas. Mas isso é só mais uma suposição bem intencionada. O poder político não cede a suposições e boas intenções, mas sim pretende instalar soluções predefinidas (o que é facilitado se houver prazo estreito). Quem se preparou com antecedência certamente obterá melhores resultados – em detrimento daqueles que colaborarão com a futura legitimidade de algo que nasce viciado. Por isso que a ideia de pautar o constituinte não merece qualquer prestígio.

Enfim, não parece adequado apressar o ritmo da história constitucional brasileira. A convocação às pressas para a reforma de temas tão importantes denota uma certa impaciência. Pois essa ansiedade em solucionar algo que normalmente demora a ser resolvido lembra a célebre frase do príncipe de Falconeri, personagem de Tomasi di Lampedusa: "Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude".

Egon Bockmann Moreira, advogado, é doutor em Direito e leciona na Faculdade de Direito da UFPR

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