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A China está crescendo a uma taxa anual superior a 10% ao ano e a Índia a quase isso. Não é só. Nos dois países, cuja população somada ultrapassa 2 bilhões e 300 milhões de habitantes, os padrões de consumo ocidentais se afirmam na estrutura de valores sociais. O consumo conspícuo, a ostentação do desperdício e a economia do luxo são ícones sociais que vão substituindo a frugalidade, o minimalismo, o respeito místico à natureza e a simplicidade.

Outro dia li em uma revista especializada a seguinte especulação: na China, a proporção de veículos por habitantes é de 1 para 100 e na Índia, de um veículo para cada 120 habitantes. No Brasil, é de 1 para 9. Se a propriedade de um veículo tiver nesses países o mesmo valor social que tem entre nós como símbolo de afluência material e de bem-estar e o crescimento acelerado da riqueza nacional levar o índice a se igualar ao brasileiro, 130 milhões de nossos veículos se incorporarão à frota chinesa e 100 milhões à da Índia. Duzentos e trinta milhões de veículos a mais em um planeta que já prevê o esgotamento do petróleo para um horizonte de menos de 80 anos na melhor das hipóteses. Uma insânia.

É claro que esse exercício é meramente hipotético, mas dá ao leitor uma dimensão clara do que pode acontecer se não houver uma profunda revisão de nossos conceitos atuais a respeito de mercado, crescimento econômico, afluência, bem-estar e desenvolvimento. Os preços das matérias-primas que se mantêm em crescimento constante e os sinais de exaustão em reservas estratégicas importantes são um sinal que não pode ser desconhecido. De forma míope, temos visto nessa elevação e na progressiva escassez mundial uma oportunidade de ouro para alavancar nossa balança comercial, o que não deixa de ser verdade a curto prazo. A longo prazo, no entanto, é um sinal de alerta para o desastre que também nos atingirá.

Tenho duas motivações especiais para pensar no assunto e convido o leitor a também aproveitá-las. No dia 25, o ex-ministro do Planejamento Paulo Haddad estará falando no programa "Lideranças Empresariais na Política" da Fiep sobre as perspectivas brasileiras nesse cenário preocupador. Paulo Haddad é uma das melhores cabeças estratégicas do país que têm se dedicado a esboçar alternativas para o impasse econômico e energético de que estamos nos aproximando e devo a ele ter me apresentado aos princípios da chamada "Natural Economy", a economia natural que procura entender o processo de produção e consumo modernos em sua essência; e essa essência é desanimadora: vivemos em um ambiente de dissipação de recursos e de geração de lixo, que não é sustentável a médio e longo prazos. Para que essa economia do desperdício ceda lugar a outras combinações mais favoráveis que preservem os níveis de bem-estar da população e ao mesmo tempo reduzam o impacto sobre os recursos naturais do planeta, Paulo Haddad tem idéias muito concretas e suas idéias merecem ser conhecidas, debatidas e aplicadas.

Por seu turno, o Prof. Cleverson Andreoli, um dos mais lúcidos propugnadores pelo desenvolvimento sustentável, me deu uma segunda indicação valiosa que também transfiro aos pacientes leitores: um estudo da New Economics Foundation que apresenta o chamado HPI ("Happy Planet Index"), ou IPF (Índice do Planeta Feliz). Nele, os pesquisadores procuraram associar três aspectos, a "satisfação com a vida", a "expectativa de vida" e a demanda de recursos naturais necessários para propiciar os níveis materiais de conforto que alimentam os dois primeiros aspectos.

Como não podia deixar de ser, o IPF mereceu uma chuva de críticas. Algumas são bastante pertinentes, pois a felicidade é uma categoria essencialmente individual que se aplica a pessoas e suas circunstâncias e só a elas e não a coletivos como países e planetas. Mas acredito que utilizar a palavra felicidade para descrever um estado de harmonia consigo mesmo (a satisfação com a vida) e de harmonia com a natureza, para que nossa permanência neste vale de lágrimas seja a mais longa possível, não machuca ninguém. O valor do estudo está na dissociação entre a afluência material e o bem-estar, a satisfação das necessidades materiais e psíquicas das pessoas e a degradação do ecossistema, conceitos esses que, infelizmente, têm sido sempre entendidos em pares.

Talvez fosse bom para os críticos ver ou rever o documentário "Buena Vista Social Club" sobre os velhos músicos cubanos. Não sei se o que se vê no documentário de Wim Wenders e Ry Cooder é uma boa definição de felicidade, mas sou capaz de jurar que Compay Segundo e Ibrahim Ferrer não estavam nada tristes nem infelizes cantando suas músicas e fumando seus charutos junto com seus amigos. Nem ficariam mais felizes se o carro que usaram fosse um Mercedes, um Cadillac ou uma limousine" de último tipo em vez de um velhíssimo Buick conversível do início dos anos 50.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Mestrado em Organizações e Desenvolvimento da FAE Business School.

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