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É responsabilidade das agências reguladoras de me­­­dicamentos, no nosso caso a Anvisa, promover ações para eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) realizará amanhã uma audiência pública para discutir o cancelamento do registro de medicamentos que contenham sibutramina, além da proibição de anorexígenos como a anfepramona, femproporex e mazindol.

Esse deverá ser o último ato de uma história que começou quando a Agência Reguladora de Medicamentos da Europa (Emea) pediu à Abbott – fabricante da sibutramina – um estudo para avaliar a segurança de seu medicamento em pacientes com problemas cardiovasculares. Esse pedido não era infundado; alguns relatos de casos de pacientes em uso de sibutramina levantaram a suspeita da Emea de que alguma coisa não estava certa. Dito e feito, analisando os dados do estudo SCOUT (Sibutramine Cardiovascular Outcome Trial) a agência detectou um importante aumento do risco de infarto e derrame em pacientes que tinham doença cardiovascular antes de iniciar o uso de sibutramina. O baque desse resultado levou a Anvisa a aumentar as restrições a prescrição da sibutramina e a Abbott a aumentar a lista de contraindicações na bula do produto. Contudo, se pensarmos que a maioria dos pacientes obesos apresenta pelo menos um dos vários fatores de risco cardiovascular, a utilização da sibutramina ficaria restrita a pouquíssimos pacientes. Foi essa a razão, associada à baixa eficácia (o medicamento não foi efetivo em 70% dos pacientes), modesta perda de peso conseguida pelo produto e a tendência dos pacientes a voltar a engordar após a interrupção do uso, que levou a Emea a retirar a sibutramina do mercado europeu. Outros países como o Canadá, Estados Unidos e Austrália fizeram o mesmo e a própria Abbott decidiu suspender a produção e a comercialização do seu produto. Incrível mesmo é acreditar que depois de todos esses fatos, ainda encontremos resistência a sua proibição no Brasil.

No que concerne aos anfetamínicos, o problema é ainda maior. O Brasil é um dos maiores consumidores de anfetamina do planeta e a maioria esmagadora dos seus usuários, muito provavelmente, não preenchem minimamente as indicações de uso preconizadas pela Organização Mundial de Saúde. Por estimularem o Sistema Nervoso Central, os anfetamínicos são frequentemente utilizados para uso recreacional ou para doping em esportes, conforme ressalta a nota técnica sobre a eficácia e segurança dos medicamentos inibidores de apetite lançado a poucos dias pela Anvisa. Voltando aos europeus, desde 1999 essas drogas não são utilizadas e as razões para a sua proibição são ainda mais robustas do que as da sibutramina, visto apresentarem graves efeitos adversos cardiopulmonares, além de terem real potencial para vício.

Está claro, portanto, que os riscos da utilização desses medicamentos superam os benefícios proferidos pelos seus defensores. É responsabilidade das agências reguladoras de medicamentos, no nosso caso a Anvisa, promover ações para eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e portanto, parecem acertadas as ações que estão sendo realizadas, mesmo que em desacordo com alguns endocrinologistas e pacientes.

Infelizmente, a retirada desses medicamentos diminuirá razoavelmente o arsenal terapêutico para obesidade, contudo acredito que esse movimento mundial possa trazer pelo menos dois pontos positivos: mobilizar a indústria farmacêutica para a pesquisa de outros fármacos mais eficazes e menos danosos para os nossos pacientes e, quem sabe, promover uma mudança na maneira de encarar o tratamento da obesidade investindo-se mais em educação em saúde – educação alimentar e a realização de atividade física – e em técnicas motivacionais para que consigamos fazer o paciente mudar e, principalmente manter, um estilo de vida mais saudável. Porque quando a cabeça muda, o corpo emagrece junto.

Marcelo del Olmo Sato, professor das disciplinas Terapêutica e Deontologia Médica da PUCPR, é médico e farmacêutico bioquímico.

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