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A possível fusão entre ALL e Rumo tem sido apresentada como apta a gerar importantes benefícios para os grupos diretamente envolvidos. A ALL, concessionária que opera extensa malha ferroviária no país, se fortaleceria financeiramente; e a Rumo, operadora logística do grupo Cosan, expandiria seu controle sobre infraestrutura essencial às suas atividades. Por outro lado, na perspectiva dos demais usuários da malha da ALL, como o agronegócio paranaense, a operação apresenta riscos consideráveis.

A fusão resultará em uma concentração vertical de diversas etapas da cadeia produtiva relacionada ao agronegócio. O grupo resultante atuará desde na produção de commodities como soja, milho, açúcar, álcool e celulose até na operação de terminais e bases relacionadas à movimentação desse tipo de carga, além do seu transporte em diferentes modais.

Reunirá um dos principais produtores de açúcar e etanol do país, que produz sozinho volume maior que o de todos os produtores do Paraná somados, e a maior operadora ferroviária, que controla a malha de acesso aos principais portos pelos quais a produção agrícola nacional é escoada, além de importantes rotas ferroviárias internas relacionadas ao transporte de combustíveis.

Esse tipo de concentração, quando as partes têm poder econômico, vem acompanhado de sérios riscos de fechamento do mercado para outros agentes econômicos que não estão integrados verticalmente. A integração entre os dois grupos possibilita a adoção de estratégias voltadas a priorizar as cargas da Cosan em detrimento de outros produtores, assim como a discriminar estes em relação aos preços cobrados e condições de acesso ofertadas.

As conhecidas limitações da infraestrutura nacional e a importância central do modal ferroviário na logística do agronegócio e dos combustíveis reforçam a percepção desses riscos concorrenciais. São questões a serem avaliadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Diante do porte dos grupos envolvidos, a fusão deve ser notificada ao órgão de defesa da concorrência e, nos termos da legislação vigente, isso deve ser feito em caráter prévio – ou seja, antes da consumação da operação e da produção de qualquer efeito sobre os mercados envolvidos.

As preocupações concorrenciais associadas a uma fusão ou aquisição podem justificar a imposição pelo Cade de restrições às partes quanto ao modo como será implantada e até mesmo sua reprovação integral. As restrições podem ser de diversas naturezas. Há casos nos quais o Cade determina a venda de parte dos ativos envolvidos; em outros, impõe exigências de caráter comportamental.

Restrições que deveriam ser consideradas em situações como a presente abrangem ao menos obrigações de transparência quanto às condições de oferta e manutenção de serviços e de sua gestão efetivamente independente de outras atividades do grupo, compromissos quanto à garantia de capacidade mínima, preços isonômicos e qualidade aos usuários não integrados, além da própria participação direta desses usuários em atividades relacionadas à gestão e operação do serviço. A construção de soluções adequadas deve contar com a participação dos usuários que serão afetados pela operação. Na análise de operações complexas, o Cade costuma enviar ofícios e requisitar informações ao mercado. Ademais, há base legal para que os usuários dos serviços de transporte participem ativamente do processo como terceiros interessados, como já tem ocorrido em outros casos avaliados pelo Cade.

Alexandre Ditzel Faraco, doutor e livre-docente em Direito pela USP, é sócio de Levy & Salomão Advogados. Ana Paula Martinez, mestre em Direito por Harvard e USP e doutora em Direito pela USP, é responsável pelo curso de pós-graduação em Direito do Estado e da Regulação e Direito Empresarial da FGV-Direito Rio e sócia da Levy & Salomão Advogados.

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