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Sanções aos ministros do STF e o risco de isolamento do Brasil

Moraes e Trump: O caso de Bolsonaro já é não mais assunto eminentemente interno do país. Virou geopolítico. (Foto: EFE/EPA/Shawn Thew e Fellipe Sampaio /STF)

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O Brasil encontra-se em meio a um delicado cabo de guerra geopolítico e financeiro. De um lado, o Supremo Tribunal Federal busca afirmar sua autoridade, valendo-se de seu poder para determinar que os bancos cumpram suas ordens, sob pena de multas elevadas e até mesmo da responsabilização pessoal de seus diretores. De outro, os Estados Unidos projetam seu poder extraterritorial, sustentado no dólar, na infraestrutura tecnológica que apoia os sistemas financeiros modernos e no controle indireto dos mecanismos internacionais de pagamento. No meio desse embate, quem pode acabar arcando com os efeitos é a sociedade brasileira, sujeita às consequências de uma disputa que vai muito além de suas escolhas.

O poder norte-americano não se exerce de forma isolada, mas em diferentes frentes que se desdobram em sequência. Tudo se origina nas chamadas sanções secundárias, que atingem instituições financeiras estrangeiras quando se considera que estão descumprindo determinações ligadas a alvos já sancionados, como no caso do ministro Alexandre de Moraes, incluído na lista do OFAC. Nessas condições, até mesmo uma operação aparentemente rotineira, como o pagamento de salário por um banco nacional, poderia levar ao enquadramento da instituição.

Uma vez acionada, a resposta se dá de modo automático, em um processo regulatório padronizado. Os bancos correspondentes, as empresas de tecnologia, as plataformas de pagamento e as bandeiras internacionais são notificados e, gradualmente, passam a restringir serviços. Não se trata de um ato imediato, mas de uma escalada progressiva, em que cada etapa reduz a capacidade operacional da instituição. No início, cessam as relações em dólar; em seguida, suspendem-se licenças de tecnologia essenciais; depois, aplicativos e carteiras digitais deixam de funcionar; logo adiante, redes de cartões como Visa e Mastercard rompem a ligação; e, no limite, pode ocorrer a exclusão do sistema SWIFT, equivalente a um bloqueio total das transferências internacionais. Trata-se de um encadeamento de medidas difícil de reverter, que coloca em risco a própria viabilidade do banco atingido.

A vulnerabilidade se agrava quando se considera a posição das reservas cambiais brasileiras. Hoje, o país dispõe de aproximadamente US$ 346 bilhões, dos quais cerca de US$ 240 bilhões estão aplicados em títulos da dívida pública americana. Esses ativos, em uma hipótese extrema, poderiam ser congelados, afetando diretamente a confiança na moeda e trazendo grande instabilidade ao mercado cambial.

Do lado brasileiro, o STF tem buscado afirmar sua autoridade sobre o sistema financeiro nacional. Segundo o que tem sido veiculado na grande imprensa, os ministros chegaram a discutir a possibilidade de, em caso de agravamento da tensão, determinar o confisco de ativos de empresas americanas sediadas no Brasil. Essa hipótese, contudo, é ilegal e poderia gerar efeitos contrários ao desejado, já que medidas dessa natureza abririam espaço para retaliações de intensidade imprevisível por parte dos Estados Unidos.

Nesse contexto, os bancos acabam diante de um dilema difícil de resolver. Se não obedecerem às determinações norte-americanas, tornam-se inviáveis, pois um banco sem acesso ao dólar e às estruturas internacionais não consegue se manter. Além disso, correm o risco de enfrentar multas pesadas aplicadas no exterior, que em muitos casos superam a casa do bilhão de dólares. De outro lado, se desobedecerem ao STF, podem sofrer punições igualmente severas em território nacional, desde multas expressivas até a responsabilização direta de seus dirigentes.

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No final, o maior risco recai sobre a população, que poderia sentir os reflexos de uma crise cambial, da fragilização do sistema bancário, da interrupção de serviços digitais e de um possível isolamento econômico. Esse cabo de guerra não é apenas uma abstração, mas uma possibilidade concreta que pode afetar a vida cotidiana e a posição do Brasil no cenário internacional.

É justamente diante desse cenário de incertezas que se torna essencial adotar estratégias de proteção. Tanto empresários quanto pessoas físicas precisam avaliar com cuidado suas estruturas patrimoniais e considerar alternativas de diversificação internacional, inclusive a dolarização de parte dos ativos. Antecipar-se a esses riscos não é alarmismo, mas prudência: em tempos de instabilidade, a proteção jurídica e financeira adequada pode significar a diferença entre a vulnerabilidade e a segurança patrimonial.

Fernando Augusto Queiroz Negrão, advogado, é sócio da @Arborlex Consultoria Jurídica Internacional.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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